O roubo é crime invariavelmente doloso,
acrescendo-se, ao tipo subjetivo, um elemento especial, qual seja, o animus rem sibi habendi (subtração da
coisa “para si ou para outrem”, complementado pelo animus domini), também
chamado, como preferimos, de intenção de assenhoramento. Age o sujeito ativo
com o propósito de ter o produto do crime,
integrando-o ao patrimônio próprio ou ao patrimônio de outrem. Não é exigida a
intenção de lucro, todavia. [1]
Com
a exigência da intenção de assenhoramento, questiona-se: há crime de
roubo quando o
agente tem apenas vontade de usar momentaneamente o bem subtraído,
restituindo-o em seguida (roubo de uso)? Suponhamos o seguinte caso: o
sujeito ativo vê uma bicicleta encostada em um poste, em via pública.
Apossando-se dela, dá um volta no quarteirão, restituindo-a ao mesmo
local em que estava antes (já estive diante de um caso concreto como
esse, envolvendo bicicletas públicas para aluguel). Evidentemente, há
furto de uso, ou seja, a conduta é atípica. E se o proprietário da
bicicleta surge tão logo o sujeito ativo se apossa dela, exigindo a
restituição do bem, ocasião em que este intimida aquele, ameaçando-o de
agressão física caso não permita aquela "voltinha" pelo quarteirão?
Para alguns juristas, persiste a
incriminação, pois, apesar da ausência do animus rem sibi habendi, a violência
e a grave ameaça impedem a descaracterização do crime. [2] Há que se asseverar,
contudo, que a subjetividade especial do delito não pode ser olvidada para a
responsabilização penal, pois se trata de elementar do tipo. Assim, se ausente
o especial fim de agir, não haverá perfeita subsunção ao artigo 157 do CP,
impondo-se modificação na capitulação da conduta: passaremos a ter unicamente
um delito de constrangimento ilegal (artigo 146, CP). Dessa forma se posiciona Damásio
de Jesus: "não há delito de roubo quando o sujeito não age com a finalidade de
assenhoramento definitivo da coisa móvel alheia". [3] Deve ficar clara,
todavia, a intenção do agente em restituir a coisa assenhorada. Se um longo
espaço de tempo é decorrido entre o apossamento e a devolução, a coisa
subtraída chega a ingressar no patrimônio do sujeito ativo, permitindo a
punição pelo crime de roubo. [4]
Conclui-se,
portanto, que o roubo de uso é criminoso, embora não se insira na seara
dos crimes contra o patrimônio, tratando-se de mero constrangimento
ilegal.
Abraços a todos.
_________
[1]
Nesse sentido, Luiz Regis Prado (Curso…,
op. cit., p. 395). Weber Martins Batista, apesar de fazer menção ao ânimo
lucrativo, conceitua o lucro como qualquer forma de proveito, ainda que não econômico
(O furto e o roubo…, op. cit.,
p. 204).
[2]
Nesse sentido, Alexandre Victor de Carvalho (Disponível em:
. Acessado em: 15 jan. 2005); TJDF: “O
‘roubo de uso’ é figura desconhecida do direito pátrio, considerando a
presunção de ter havido, antes, violência contra a pessoa, independentemente de
ter sido ela física ou moral” (Proc. 17.649/97, Rel. Des. Vaz de Melo, DJU 11.11.1998).
[3]
JESUS, Damásio E. de. Direito penal…,
op. cit., v. 2, p. 338.
[4]
Nesse sentido, Fernando Capez (Curso…,
op. cit., p. 379). Segundo Guilherme de Souza Nucci, há roubo, pois, ao
contrário do que acontece no furto, há a utilização de meio capaz de reduzir a
capacidade de resistência da vítima (grave ameaça, violência ou qualquer outro
modo), provocando imediata ciência da vítima acerca da subtração do bem. Tal
entendimento se deve à posição do autor sobre os requisitos do furto de uso:
devolução do bem no mesmo local e no mesmo estado em que foi subtraído, antes
que a vítima perceba o fato. Como no roubo é impossível que a vítima não venha
a saber do crime, não há roubo de uso (Código
penal comentado…, op. cit., p. 530).