Implantação de "chifres", dentes afiados, olhos repuxados, alargadores de narinas e orelhas... vale tudo quando o assunto é "modificação corporal", prática que consiste em alterar a anatomia com implantes e técnicas artificiais, para finalidade supostamente estética. Não se trata de algo necessariamente estranho ou socialmente inadequado, ao menos em seu estágio inicial: tatuagens e implantes de silicone nos seios são formas de alteração anatômica com larga aceitação. Todavia, há casos extremos, nos quais até mesmo as feições humanas são desfiguradas. O questionamento que surge é: os executores das modificações poderiam ser criminalmente responsabilizados pelo crime de lesão corporal?
Inicialmente, cumpre averiguar se a integridade corporal e a saúde, bens jurídicos tutelados no artigo 129 do Código Penal, são disponíveis. Sobre o tema, tive oportunidade de escrever:
Integridade corporal
e saúde, segundo a doutrina clássica, são bens jurídicos indisponíveis, pois
extrapolam a esfera individual, refletindo nos deveres sociais da pessoa. Assim
ensina Hungria: “protegendo a incolumidade pessoal, a lei penal atende, de par
com o interesse individual, um indeclinável interesse social, qual seja o da
normal eficiência e aptidão de cada um dos indivíduos, que constituem elementos
de sinergia da prosperidade geral da sociedade e do Estado”. O consentimento do
ofendido, para o autor, não se presta para afastar o caráter criminoso da
conduta. Há, contudo, movimento doutrinário tendente a abolir a
indisponibilidade da integridade corporal e da saúde [nota: dizia
Aníbal Bruno que, “no sentido de admitir-se o poder descriminante do
consentimento do ofendido é que parecem encaminhar-se a doutrina e as
legislações. Há nisso a manifestação de um espírito individualista que rege em
certos setores do pensamento penalista. A restrição que se lhe impõe é a deque
não ofenda os bons costumes, a que se junta a de que não ponha em perigo a
saúde pública ou a segurança comum”]. Fragoso, por exemplo, informa que a
disponibilidade dos referidos bens jurídicos é exigência da evolução cultural. De
fato, em casos de lesão corporal de natureza leve, a invocação de razões
estatais é inconsistente, vez que a manutenção da produtividade do indivíduo,
duvidosamente violada, ganha pouco vulto frente à liberdade individual. Nesse
compasso, a Lei n° 9.099/95 passou a exigir representação do ofendido para o
exercício da ação penal nos casos de lesão corporal de natureza leve, tornando
o bem jurídico disponível. Nas lesões graves e gravíssimas, entendemos que a
indisponibilidade deve ser mantida, face à elevada reprovabilidade da conduta
do sujeito ativo. (GILABERTE, 2006)
Estabelecida a disponibilidade, ao menos em regra, dos direitos tutelados, seria possível imaginarmos o consentimento do ofendido como hipótese de atipicidade (para o funcionalismo e outras doutrinas mais modernas) ou de justificação (para a posição clássica) da conduta. No entanto, no que concerne à modificação corporal, quando há intervenção severa, poder-se-ia discutir a natureza da lesão, se leve ou qualificada, o que, no último caso, impediria a alegação de disponibilidade da integridade física, restando inviável a aplicação do consentimento.
Creio, no entanto, que tal discussão é irrelevante, uma vez que a atipicidade da conduta pode encontrar supedâneo em argumento diverso. Ora, no crime de lesão corporal, mister um prejuízo anatômico, funcional ou psicológico para a vítima para que se justifique a incriminação da conduta. As cirurgias estéticas, portanto, não encontram adequação típica no artigo 129 do CP, já que tem por objetivo o aprimoramento individual. Em suma, privilegiam a pessoa. E o conceto de aprimoramento estético não deve ter parâmetro na opinião de terceiros sobre o que é bonito ou feio, senão no próprio gosto da pessoa atingida pela cirurgia. Esta é quem deve se sentir bem com a própria aparência, a despeito da estranheza que sua imagem possa causar. Por conseguinte, mesmo nas modificações mais radicais, se cumprem o desejo individual, não há se cogitar de conduta criminosa, por ausência de afetamento da objetividade jurídica, devendo ser lembrado que, pelo princípio da ofensividade, nào há crime sem lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado.
Abraços a todos.
Então, neste raciocínio, independe a natureza da lesão, ao contrário do q vc trouxe do Fra
ResponderExcluirgoso, pois inegavelmente, ha uma deformidade permanente. O próprio ajuste prévio de uma briga, deveria ser atípica, frente à autonomia da vontade dos brigões aceitarem. Seria então uma colsão de direitos, deste recente(??) direito à felicidade??
abc!!
direito à felicidade:
ResponderExcluirhttp://www.conjur.com.br/2010-mai-29/pec-felicidade-positivacao-direito-reconhecido-resto-mundo
O problema é o EStado arcar com as custas de um eventual arrependimento, ou no uso do crack, poder-se-ia invocar a autonomia de vontade de usar drogas.. mas e pro Estado gastar depois no tratamento???
ResponderExcluirMarcelo, acho que a questão gira em torno do que é uma deformidade permanente: será que é aquilo que causa desconforto em terceiros, ainda que o portador se sinta bem com ela? Afinal, a quem atinge a deformidade? Abraços.
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