domingo, 20 de novembro de 2011

O roubo de uso é crime patrimonial?

O roubo é crime invariavelmente doloso, acrescendo-se, ao tipo subjetivo, um elemento especial, qual seja, o animus rem sibi habendi (subtração da coisa “para si ou para outrem”, complementado pelo animus domini), também chamado, como preferimos, de intenção de assenhoramento. Age o sujeito ativo com o propósito de ter o produto do crime, integrando-o ao patrimônio próprio ou ao patrimônio de outrem. Não é exigida a intenção de lucro, todavia. [1]

Com a exigência da intenção de assenhoramento, questiona-se: há crime de roubo quando o agente tem apenas vontade de usar momentaneamente o bem subtraído, restituindo-o em seguida (roubo de uso)? Suponhamos o seguinte caso: o sujeito ativo vê uma bicicleta encostada em um poste, em via pública. Apossando-se dela, dá um volta no quarteirão, restituindo-a ao mesmo local em que estava antes (já estive diante de um caso concreto como esse, envolvendo bicicletas públicas para aluguel). Evidentemente, há furto de uso, ou seja, a conduta é atípica. E se o proprietário da bicicleta surge tão logo o sujeito ativo se apossa dela, exigindo a restituição do bem, ocasião em que este intimida aquele, ameaçando-o de agressão física caso não permita aquela "voltinha" pelo quarteirão? 

Para alguns juristas, persiste a incriminação, pois, apesar da ausência do animus rem sibi habendi, a violência e a grave ameaça impedem a descaracterização do crime. [2] Há que se asseverar, contudo, que a subjetividade especial do delito não pode ser olvidada para a responsabilização penal, pois se trata de elementar do tipo. Assim, se ausente o especial fim de agir, não haverá perfeita subsunção ao artigo 157 do CP, impondo-se modificação na capitulação da conduta: passaremos a ter unicamente um delito de constrangimento ilegal (artigo 146, CP). Dessa forma se posiciona Damásio de Jesus: "não há delito de roubo quando o sujeito não age com a finalidade de assenhoramento definitivo da coisa móvel alheia". [3] Deve ficar clara, todavia, a intenção do agente em restituir a coisa assenhorada. Se um longo espaço de tempo é decorrido entre o apossamento e a devolução, a coisa subtraída chega a ingressar no patrimônio do sujeito ativo, permitindo a punição pelo crime de roubo. [4]

Conclui-se, portanto, que o roubo de uso é criminoso, embora não se insira na seara dos crimes contra o patrimônio, tratando-se de mero constrangimento ilegal.

Abraços a todos.

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[1] Nesse sentido, Luiz Regis Prado (Curso…, op. cit., p. 395). Weber Martins Batista, apesar de fazer menção ao ânimo lucrativo, conceitua o lucro como qualquer forma de proveito, ainda que não econômico (O furto e o roubo…, op. cit., p. 204).

[2] Nesse sentido, Alexandre Victor de Carvalho (Disponível em: . Acessado em: 15 jan. 2005); TJDF: “O ‘roubo de uso’ é figura desconhecida do direito pátrio, considerando a presunção de ter havido, antes, violência contra a pessoa, independentemente de ter sido ela física ou moral” (Proc. 17.649/97, Rel. Des. Vaz de Melo, DJU 11.11.1998).

[3] JESUS, Damásio E. de. Direito penal…, op. cit., v. 2, p. 338.

[4] Nesse sentido, Fernando Capez (Curso…, op. cit., p. 379). Segundo Guilherme de Souza Nucci, há roubo, pois, ao contrário do que acontece no furto, há a utilização de meio capaz de reduzir a capacidade de resistência da vítima (grave ameaça, violência ou qualquer outro modo), provocando imediata ciência da vítima acerca da subtração do bem. Tal entendimento se deve à posição do autor sobre os requisitos do furto de uso: devolução do bem no mesmo local e no mesmo estado em que foi subtraído, antes que a vítima perceba o fato. Como no roubo é impossível que a vítima não venha a saber do crime, não há roubo de uso (Código penal comentado…, op. cit., p. 530).

3 comentários:

  1. Prezado, professor; Não vou dizer q tenho medo, pois minha opinião não representa absolutamente nada.. Mas a conduta do roubo, por ser um crime complexo, permitiria em tese bem razoável este desmembramento de ameaça + subtração. estava lendo um informativo do stj, e me aprofundei um pouco na questao. em um futuro proximo, o roubo insignificante sera viavel, baseado na atipicidade relativa, q o paulo queiroz defende.. dai, em seguida, os argumentos bonitos de pro rei, pro libertattis, etc.. farao q o roubo vire mera ameaca.. e ai, o roubo passara a ser crime de pequeno potencial ofensivo, sem poder decretar pp, etc, etc, etc... não sei se é teoria do caos.. rs.. mas a conduta do ladrão é altamente reprovável e não da pra minimizar essa lesividade, na minha opinião.

    PS: Quando criança, roubaram o carro do meu pai em olaria, com essa justificativa: " Saiam do carro q só vamos matar um cara ali e deixar por aqui mesmo!!" do túnel do tempo, rs;.. abc..

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    1. Marcelo, o abandono posterior da coisa não descaracteriza o roubo, mas a devolução nos moldes preconizados para o furto de uso sim. E não, não é uma anarquia, que redundará em proteção insuficiente, mas sim a correta aplicação da norma. Aliás, falar em efeito dominó é sim teoria do caos, rsrsrs. Abs.

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