terça-feira, 16 de outubro de 2012

A inconstitucionalidade do artigo 218 do Código Penal em face ao princípio da proporcionalidade


A Lei nº 12.015/09, que reformou os crimes sexuais, a despeito de ter solucionado uma série de controvérsias até então existentes, teve o demérito de criar tipos penais esdrúxulos e de duvidosa constitucionalidade. Cito como exemplo –  e sobre ele irei me debruçar – o atual artigo 218 do Código Penal, assim redigido: “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”

Não se nega a reprovabilidade da conduta. Ao contrário, trata-se de comportamento vil, merecedor de severa punição. Mas é evidente que o legislador não estava em um de seus dias mais felizes (se é que eles existem) quando de sua elaboração.

Verifica-se, de início, que o dispositivo cria uma exceção dualista à teoria monista, contemplada no artigo 29 do Código Penal. Afinal, quem induz pessoa com idade inferior a 14 anos a satisfazer à lascívia de outrem, está contribuindo com a prática sexual subsequente. Se o ato sexual propriamente dito caracteriza estupro de vulnerável, o induzimento deveria seguir na mesma esteira.

Essa quebra da teoria monista não é novidade nas leis penais: encontramo-la nos crimes de abortamento, na Lei de Tortura etc. O problema é que, no caso do artigo 218, ela deságua em evidente desproporcionalidade. Breves minutos de observação atenta já demonstram a inadequação da pena cominada abstratamente ao artigo 218: 2 a 5 anos. Em comparação, a pena fixada ao estupro de vulnerável tem limites mínimo e máximo fixados em 8 e 15 anos, respectivamente. Ou seja, a punição é consideravelmente abrandada naquele comportamento que, em tese, deveria ser considerado ato de participação no estupro cometido por terceiro. 

Mas as perplexidades não param por aí. Vejamos o caso da omissão imprópria: a mãe de uma adolescente de 12 anos, ciente de que esta vem sendo molestada sexualmente pelo padrasto, nada faz, a fim de não colocar em risco o relacionamento afetivo mantido com o sujeito ativo. Nesse caso, a mãe deverá ser responsabilizada pelo mesmo crime que o padrasto, qual seja, estupro de vulnerável, segundo as regras atinentes aos crimes comissivos por omissão. Agora, se essa mesma mãe, em conluio com o padrasto e com o objetivo de satisfazer repugnante fantasia sexual deste, induz a própria filha ao ato, em tese sua conduta seria enquadrada no artigo 218 do CP. Em suma, a mãe que se omite é apenada com muito mais severidade do que aquela que age, o que não faz nenhum sentido. Ademais, merece atenção o fato de que o artigo 218 contempla apenas o induzimento de pessoas com idade inferior a quatorze anos, restando alijada da norma a conduta praticada contra pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental. Isso significa que, nessas hipóteses, aquele que convence a vítima responde pelo mesmo delito praticado por quem mantém com a vítima o amplexo sexual, qual seja, estupro de vulnerável. Por que haveria de ser diferente quando a vítima é a criança ou o adolescente de até quatorze anos?

Fica evidente, assim, a incongruência do novo tipo penal, razão pela qual o vício deve ser sanado. E a única solução plausível é a declaração de inconstitucionalidade em virtude da proteção deficiente estipulada no dispositivo, sendo a vedação à insuficiência um dos aspectos da proporcionalidade (que, ao seu turno, é uma derivação da individualização legislativa das penas, que tem sede na Constituição Federal). A reduzida sanção do artigo 218 não é apta a punir adequadamente aquele que pratica o comportamento ali descrito, deixando transparecer injustificável beneplácito a quem comete um crime grave.

Abraços a todos.

2 comentários:

  1. Professor...essa é a interpretação que o Sr. faz do dispositivo(no mesmo sentido,Nucci),mas veja um segundo entendimento sobre o tema abordado pelo Promotor de Justiça de SP,Vitor Eduardo Rios, escrito em seu livro:"Muito importante salientar que,se o agente convence uma adolescente de 12 anos a manter conjunção carnal com terceiro e o ato se concretiza,este responde por estupro de vulnerável e quem induziu a menor é partícipe de tal crime.Assim, o crime em análise só será tipificado se a vítima for induzida a satisfazer a lascívia do terceiro, sem, todavia, realizar ato sexual efetivo com este. Ex: a fazer sexo por telefone, a dançar para ele, a fazer-lhe um 'striptease' etc. Evidente que não houve, por parte do legislador, intenção de criar exceção à teoria unitária ou monista.Tal situação, aliás, já existia na legislação antiga em relação ao crime de mediação para satisfazer a lascívia de outrem qualificado pela violência ou grave ameaça."
    OBS: Não é diferente da interpretação que Rogério Greco e Rogério Sanches Cunha dão ao dispositivo comentado.
    Só tem um problema que passa despercebido pelos autores do segundo posicionamento citado.Só há como defender tal tese, se entendermos que a contemplação lasciva não constitui um ato libidinoso,o que, é bom que se diga, não seria um posicionamento isolado na doutrina,já que Capez afirma que se uma vítima for constrangida a se despir para satisfazer a libido do agente,não é vítima do crime de estupro, mas, sim, de constrangimento ilegal.Nesse ponto, Vitor Rios mantém a congruência, pois defende o mesmo posicionamento de Capez.
    Grande surpresa nos apronta o Prof.Rogério Sanches, pois defende em seu livro que a contemplação lasciva constitui ato libidinoso,caracterizando estupro o ato de obrigar a vítima a se despir, mediante violência ou grave ameaça, com o fim de satisfazer a libido do autor. Ora, no crime do art.218 o próprio autor entende que o autor do crime se limitará a atos de mera contemplação...então..para o crime do art.213,a mera contemplação lasciva é ato libidinoso..e para o art.218, não.Vai entender o que se passa...
    Pois bem Dr. quis deixar aqui a minha interpretação sobre o tema supra, no sentido de que, só através do sentido que se dê ao termo contemplação lasciva,é que poderemos comungar pela inconstitucionalidade do dispositivo(assim como o Sr. fez), ou pela aplicabilidade do dispositivo, porém reservada aos casos em que não há contato físico entre o autor do crime do art.218 e a vítima menos de 14 anos.
    Desde já, agradeço a oportunidade que nos dá de discutir o tema.....
    Abços.

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  2. Ótimas explanações, entretanto, fiquei com uma dúvida. Se a contemplação passiva, à luz dos argumentos traçados pelo membro do Mp paulista,não for considerado ato libidinoso, como tipicar a conduta de menor de 14 anos que espontaneamente, ou seja, sem ser induzido, resolve satisfazer a lascívia de outrem, através, por exemplo, de um "striptease", e este nada faz, ao revés fica ali por longo momento contemplando passivamente? É conduta atípica? Perdão se fugi do tema ou se viajei muito.

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