segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Conflito intertemporal de normas na Lei nº 12.015: posição do Superior Tribunal de Justiça


"Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/9/2009".


Trata-se do primeiro pronunciamento feito por um Tribunal Superior acerca da reforma dos crimes sexuais (Lei nº 12.015/09). Antes da reforma, todos sabem, o estupro (artigo 213 do CP) podia ser praticado mediante violência real (incidência de uma força física sobre o corpo da vítima), grave ameaça (constrangimento psicológico, consistente na promessa de um mal sério e verossímil) ou violência presumida (ficta, nos casos em que a vítima era menor de quatorze anos, alienada ou débil mental ou quando não podia oferecer resistência). Nesse último caso, utilizava-se o disposto no antigo artigo 224 do CP, norma de natureza explicativa que conceituava a violência presumida. O estupro também era (ainda é) arrolado pela Lei nº 8.072/90 como crime hediondo. E a Lei de Crimes Hediondos, ao seu turno, previa, no artigo 9º, uma causa de aumento de pena a todos os crimes nela especificados, sempre que estes fossem praticados contra as pessoas citadas no artigo 224 do CP. Ou seja, o artigo 224 do CP servia como elementar do tipo penal estupro, quando praticado mediante violência presumida. E também servia como majorante dos crimes hediondos, dentre os quais estava o estupro. Caracterizava e, simultaneamente, incrementava a pena do mesmo delito. Não é difícil observar o bis in idem que existia na hipótese. Assim, boa parte da doutrina e da jurisprudência passaram a defender que a majorante da Lei dos Crimes Hediondos somente poderia ser aplicada ao estupro quando praticado mediante violência real ou grave ameaça, nunca na violência ficta.
Com a reforma promovida pela Lei nº 12.015, o artigo 224 foi expressamente revogado. O artigo 213, hoje, só admite violência ou grave ameaça como meios executórios. A violência presumida virou crime autônomo, o novíssimo estupro de vulnerável (artigo 217-A). E o artigo 9º da Lei 8.072/90, que fazia menção ao artigo 224? Foi tacitamente revogado (de acordo com o STJ), uma vez que hoje inexiste o artigo que lhe dava eficácia normativa, complementando seu conteúdo. Até aí, tudo bem, não há qualquer surpresa.
A questão se torna tormentosa quando da análise do conflito aparente de normas. Suponhamos que uma pessoa tenha mantido conjunção carnal com vítima menor de quatorze anos antes da inovação legislativa. Deverá ser apenada de acordo com a antiga redação do artigo 213 do CP ou a conduta do agente subsumir-se-á ao atual artigo 217-A, do mesmo diploma? A resposta é: depende. Se o agente induziu a vítima à prática sexual, sem qualquer constrangimento físico ou psicológico, aplica-se a lei anterior. Se o crime foi praticado mediante violência real ou grave ameaça, impõe-se a retroatividade da lei nova.
A lei penal, como é notório, só retroage quando mais benéfica ao delinquente. Ainda sob a égide da antiga redação do Código Penal, se alguém cometesse um estupro mediante violência presumida, ficaria sujeito a uma pena de reclusão, de seis a dez anos. Pela redação atual (estupro de vulnerável), a pena é de reclusão, de oito a quinze anos. Não há dúvidas de que se trata (isoladamente considerada) de novatio legis in pejus (não estamos fazendo qualquer consideração acerca de concurso de crimes). Entretanto, havendo violência ou grave ameaça, a pena, na redação anterior, deveria ser acrescida da metade (artigo 9º da Lei nº 8.072/90). Assim, as margens penais abstratas passariam a ser de nove a quinze anos. Ou seja, a redação atual se torna mais benéfica (sim, porque o estupro de vulnerável abarca quaisquer meios executórios, inclusive a violência e a grave ameaça), justificando-se a retroação.
Essa foi a posição esposada pelo STJ, que, a nosso sentir, ainda não será pacificada (é possível defender-se a retroação apenas da abolitio criminis do artigo 9º da Lei de crimes hediondos, mantendo-se, de resto, a redação antiga do CP?), demandando um esforço interpretativo da doutrina e da jurisprudência. Mas já é um norte.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Assassinos seriais

Não sei se é por curiosidade mórbida (ou por vocação, quem sabe?), mas acho o tema dos assassinos seriais fascinante.
Abraços a todos.

Mestres da Criminologia

Vídeo elaborado pelo prof. Lélio Braga Calhau. Vale conferir.
Abraços.


domingo, 4 de outubro de 2009

Nova lei de identificação criminal

No último dia 2 foi publicada a nova Lei de Identificação Criminal (Lei nº 12.037/09), que revogou integralmente a Lei nº 10.054/00. Em breve vou escrever um artigo sobre ela (ainda não pude, pois estou atrapalhado com a atualização do meu livro). Por ora, vou me limitar a reproduzir seu texto. Abraços.

LEI Nº 12.037, DE 1º DE OUTUBRO DE 2009.

Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal.

O VICE – PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei.

Art. 2º A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos:

I – carteira de identidade;

II – carteira de trabalho;

III – carteira profissional;

IV – passaporte;

V – carteira de identificação funcional;

VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado.

Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares.

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado.

Art. 4º Quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado.

Art. 5º A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.

Art. 6º É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Art. 7º No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 9º Revoga-se a Lei nº 10.054, de 7 de dezembro de 2000.

Brasília, 1o de outubro de 2009; 188º da Independência e 121º da República.

JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Dicas de cultura: Doze Homens e uma Sentença e Clube do Filme


Passei a manhã desse domingão assistindo ao filme "Doze Homens e uma Sentença". Apesar de saber há muito tempo da sua qualidade, somente agora tive a oportunidade de vê-lo e não me decepcionei: é um filmaço, OBRIGATÓRIO para todos aqueles que lidam com o direito. Trata-se da estória de doze jurados, reunidos na sala secreta para decidirem sobre a condenação ou absolvição do suposto autor de um homicídio, crime para o qual é cominada a pena de morte. Qualquer que seja a decisão, ela deve ser unânime, mas já na primeira votação, quando todos esperam condenar o réu, um dos jurados se mostra em dúvida sobre a sua participação no crime. Desse momento em diante, todos os presentes passam a expor os seus argumentos sobre o porquê de considerarem a condenação correta, demonstrando seus preconceitos e pusilanimidades (é impressionante como o jurado que quer ver um jogo de beisebol se aproxima da nossa realidade, recheada de operadores do direito que fazem tudo nas coxas, sem se preocuarem com as consequências de suas decisões). Enfim, imperdível.

Mas quero recomendar também o livro "Clube do Filme", de David Gilmour, que terminei de ler há pouco tempo. Sensível, envolvente, leve, narra com maestria o relacionamento real entre um pai e seu filho, tendo como pano de fundo sessões de cinema entre ambos, em que preciosas análises cinematográficas são expendidas. A leitura é tão empolgante que dá para terminá-lo em apenas um dia. Sem contraindicações.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Yes, we créu!




E aí? Você é um dos 15,5% de malas sem alça que acham defeito em tudo e vivem para reclamar ou vai participar da legítima festa promovida pelos 84,5% restantes?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Injúria por preconceito agora é crime de ação penal pública condicionada (Lei nº 12.033/09)

A injúria por preconceito, tipificada no art. 140, § 3º, do CP, anteriormente crime de ação penal privada, passou a ser processada mediante ação pública condicionada por força da Lei nº 12.033/2009, que alterou a redação do artigo 145 do CP. Doravante, há a exigência de representação do ofendido como condição de procedibilidade, quedando-se o Ministério Público legitimado para a propositura da ação. Segue o texto legal, extraído do site da Presidência da República:

LEI Nº 12.033, DE 29 DE SETEMBRO DE 2009.

Altera a redação do parágrafo único do art. 145 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, tornando pública condicionada a ação penal em razão da injúria que especifica.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei torna pública condicionada a ação penal em razão de injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Art. 2o O parágrafo único do art. 145 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 145. ......................................................................

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste Código.” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 29 de setembro de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro