terça-feira, 27 de abril de 2010

Procuradora de Justiça aposentada é acusada de agredir filha adotiva de 2 anos


Fonte: O Globo online, 27/04/2010

RIO - A procuradora aposentada Vera Lúcia Gomes é acusada de agredir a filha adotiva de dois anos. A criança foi retirada no dia 15 pelo Conselho Tutelar do apartamento em que vivia há pouco mais de um mês com a mãe em Ipanema, na Zona Sul do Rio. A polícia abriu um inquérito para investigar o caso e começou a ouvir as testemunhas nesta segunda-feira.

O Conselho Tutelar recebeu a denúncia em um telefonema anônimo. Segundo um conselheiro, a criança estava no chão do terraço onde fica o cachorro da procuradora aposentada. Ela foi levada para o Hospital Miguel Couto, na Gávea, com os olhos inchados e precisou passar três dias internada.

O Conselho Tutelar registrou uma queixa de maus tratos e acusou a procuradora de responsável pela violência. Uma gravação que teria sido feita dentro do apartamento mostra um dos momentos de agressão. A voz seria da procuradora, e o choro, da menina adotada por ela há pouco mais de um mês.

Uma empregada que trabalhou para a procuradora e que não quis se identificar confirmou as agressões:

- A doutora Vera acordava com a garota. Dava bom dia e ela não respondia, era motivo pra bater nela. Aí, batia muito. Batia no rosto, na cara e puxava o cabelo.

A criança havia sido abandonada pela mãe num abrigo e foi levada em março para o apartamento de luxo da promotora. Segundo outra empregada, a procuradora batia na criança na frente dos outros funcionários da casa.

- Ela levantou a garota pelo cabelo e dava mais, levou até o quarto dando tapa - afirmou uma babá que também trabalhava para a promotora.

Por causa da violência que dizem ter presenciado, as funcionárias abandonaram o emprego. Agora elas são as principais testemunhas do caso. A empregada contou que a menina não pedia ajuda:

- Não pedia. Só chorava. Não tinha como pedir, porque ela não podia chegar perto da gente - disse a empregada, que acrescentou que não chamou a polícia por medo: - Ela sendo uma pessoa poderosa, a gente tinha medo mesmo.

Ao falar pelo interfone com a equipe de reportagem da TV Globo, a procuradora desqualificou a denúncia:

- Meu senhor, dane-se! Azar, azar. Que tenha vinte.

O procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, também determinou a apuração da denúncia.

- Em tese, você pode ter a caracterização de delito de maus tratos, pode ter uma simples lesão corporal, ou, dependendo das provas, pode até se caracterizar um delito de tortura - disse.

A juíza titular da Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, Ivone Caetano, afirmou que a procuradora perdeu o direito de tentar novas adoções.

- Ela já mostrou o perfil dela. Por que nós vamos colocar outra criança a mercê de uma criatura dessa natureza?

Após deixar o hospital, a criança foi levada de volta para o abrigou pelo Conselho Tutelar.

- É feito um trabalho psicológico antes de se colocá-la para nova adoção, para que ela perca todo o trauma recebido por tal tratamento - explicou a juíza.


Embora o registro de ocorrência mencione crime de maus tratos, acredito que houve verdadeira tortura (desde que confirmada a notícia). No artigo 136 do CP (ao menos na última conduta, que trata do abuso dos meios de correção ou de disciplina) exige-se o chamado animus corrigendi vel disciplinandi, ou seja, a vontade de educar a vítima, ainda que de forma excessiva. De acordo com a jurisprudência, é esse elemento subjetivo que traçará a distinção entre os maus tratos e a tortura. No caso em apreço, a violência foi praticada contra uma criança de dois anos de idade, ou seja, ainda incapaz de aprender com seus erros, em virtude da tenra idade. Portanto, desde logo resta afastado o animus corrigendi, verificando-se que a conduta se deu por mero sadismo, o que, aliado ao sofrimento intenso suportado pela vítima, permite a configuração do art. 1., II, da Lei 9.455/97.

Pessoalmente, creio que mesmo na tortura pode existir o animus corrigendi, desde que o sofrimento físico ou mental imposto à vítima seja atroz. Mas isso não altera a apreciação feita sobre a notícia acima.

Abraços a todos!

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UPDATE: Os delegados Monique Vidal e Daniel Mayr acertadamente indiciaram a Procuradora por crime de tortura. Também há menção a um suposto crime de preconceito (Lei 7.716/89, provavelmente art. 20), mas, como desconheço as peculiaridades dos autos, vou me abster de comentários sobre esse aspecto da capitulação.

7 comentários:

  1. Olá professor
    gostaria de saber ,se neste caso de violência contra menor, o fato da acusada ser funcionária pública conhecedora das leis,poderá pesar contra ela um aumento de pena?

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  2. A qualidade de funcionário público, no crime de tortura, é causa de aumento da pena, de acordo com o art. 1o, par. 4o, I, da Lei 9.455/97 (há divergências quanto a sua aplicação à conduta omissiva do par. 2o). No caso em questão, todavia, trata-se de Procuradora de Justiça aposentada... portanto inaplicável o dispositivo em tela (ainda que não estivesse aposentada, inexistiria nexo funcional entre a tortura e o cargo ocupado). Entretanto, por se cuidar de pessoa que passou boa parte da vida na atividade de zelar pelo cumprimento das leis, creio que a reprovabilidade da conduta é mais intensa. Se fosse magistrado, eu incrementaria a pena com base no art. 59 do CP (é apenas uma opinião pessoal). Abraços.

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  3. Olá, Dr. Bruno.

    Navegando pela net, encontrei seu blog. Parabéns pela iniciativa.

    A Dr. Monique Vidal capitulou no Art. 1º, II c/c §4º, II da Lei n.º 9.455/97 em relação as agressões na menor e Art. 20 da Lei n.º 7.716/89 em relação aos comentários "Isto é trabalho de preto! Isto é comida de preto".

    Abraços.

    Marcos Dufrayer (trabalhamos juntos na DH-OESTE).

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  4. Olá professor Bruno,
    eu estou estudando para a Polícia Civil,e tenho uma dúvida na questão seguinte:
    "A" sequestrou "B",para obter dinheiro no resgate.
    Nesse tempo em que a pessoa estava privada da sua liberdade,outra lei entrou em vigor,dispondo de modo mais severo a puniçâo.
    Minha dúvida,professor,seria qual lei teria efeito,a mais benéfica,ou a mais severa?

    Desde já obrigado!

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  5. Fala Dufrayer! Estou fazendo Curso Superior de Polícia com o Daniel Mayr e ele passou um panorama sobre o caso. Creio que a capitulação na Lei 7.716/89 se deve à ofensa genérica proferida pela Procuradora, ou seja, a ofensa não foi direcionada a uma pessoa em especial, mas sim a todos aqueles que ostentam cor de pele negra. De qualquer forma, valeu pela contribuição, espero que divulgue o blog.

    MATHEUS: Nesse caaso vale a lei mais severa, pois o crime é permanente. Dê uma olhadinha na Súmula 711 do STF. Abraços!

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  6. Olá professor Bruno
    gostaria de saber do senhor,se a prova para Perito Legista da Polícia Civil RJ,é única tanto para médicos,dentistas e farmacêuticos,ou cada área tem sua prova separadamente?
    Obrigado!

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  7. Matheus, vou me informar melhor para não te dar uma resposta errada.

    Abraços.

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