quarta-feira, 1 de setembro de 2010

E-drugs ou I-dosing no contexto da Lei n. 11.343/06

Texto publicado no site da revista Carta Capital, escrito por Walter Maierovitch:

"Droga Digital. Alarme na Europa.

A I-dosing provoca alterações nas ondas cerebrais. Essa é a atual preocupação das Agências Europeias de Controle da Toxicodependência. Lógico, o uso não é detectado em testes de urina, sangue, cabelo, saliva e bafômetros da vida.

Hoje foi disparado o alarme amarelo de atenção pela agência francesa de luta contra as drogas causadoras de dependência (Mildt).

Essa agência entende que a “nova droga”, ou novo fenômeno, merece uma atenção especial. Por exemplo: um jovem sob efeito de droga digital poderá causar grande perigo quando na direção de um automóvel pelas ruas ou estradas.

Ao “barato” chega-se ouvindo uma mistura de sons musicais. Ou melhor, uma sonora sequência binauricular: para cada ouvido uma frequência diferente.

Para os especialistas franceses, “trata-se de uma técnica capaz de produzir efeito hipnótico no cérebro por meio de alterações de ondas cerebrais”. A droga digital, segundo a agência francesa, pode causar dependência.

Recentemente, os 007 da Drug Enforcement Administration (DEA) produziram um boletim que se reporta a programa divulgado por uma televisão norte-americana e mostrado no You Tube. As imagens revelam estudantes alterados psicologicamente durante uma aula em escola pública. Eles não tinham ingerido bebida alcoólica e nem consumido droga proibida. Apenas escutaram sons musicais, com receptores nos ouvidos.

PANO RÁPIDO. Nem todos os especialistas acreditam em dependência por I-dosing. Para eles, trata-se de uma simples ilusão sonora, sem que a reiteração cause dependência.

Mas essa ilusão sonora pode causar perigo a terceiros. Também para o submetido à experiência, pois fica perturbado pelas alterações nas ondas cerebrais.

Reduzir danos e riscos seria adequado nos campos da proteção social e individual. Isso seria possível por meio de campanhas de informação e conscientização.

Na França, as políticas de redução de danos não são bem aceitas pelo governo do presidente Sarkozy. Para se ter ideia, o direitista governo francês proibiu, ontem, as salas seguras para consumo de drogas proibidas (narcossalas).

As autoridades brasileiras, por enquanto, demonstram nada saber a respeito das chamadas drogas digitais."


Não é de hoje que escuto falar nas chamadas "e-drugs", misturas de frequências sonoras que teriam aptidão para causar efeitos semelhantes às substâncias entorpecentes ou psicotrópicas. Desconheço o quanto há de realidade nisso ou se tudo não passa de mera lenda urbana. A farta disseminação da notícia em importantes veículos midiáticos não serve para conferir imediata veracidade à hipótese, pois é comum que jornalistas "comprem" versões sem buscar saber se são fidedignas (basta lembrarmos do suposto mapa publicado nos EUA em que a Amazônia apareceria como "território internacional", o que ganhou ampla repercussão, a despeito dos reiterados desmentidos). Todavia, parece-me que há ao menos um fundo de verdade na história.

O tema ganhou espaço inclusive em um dos blogs que eu reputo de leitura obrigatória, o Antiblog de Criminologia, editado pelo prof. Salo de Carvalho:

"Acabo de receber da Beta Werlang. Novo fenômeno da internet, as 'e-drugs' invadem a França [Fonte: Terra, 11 de agosto de 2010, 06h02, atualizado às 06h58]. Um novo fenômeno da internet começou a ganhar força na França com o nome de 'e-drugs', ou drogas digitais sonoras, com efeitos ainda desconhecidos. As 'e-drugs' se baseiam em um fenômeno neurológico que consiste na emissão de sons diferentes em cada ouvido e que estimula o cérebro, produzindo sensações de euforia, estados de transe ou de relaxamento. As sessões possuem entre 15 e 30 minutos de sons que podem ser obtidos em sites especializados a preços que variam de sete a 150 euros e transmitem sensações fora do comum aos usuários. A imagem do consumo desta 'droga', por exemplo, um menino tombado na cama de seu quarto escutando música, está longe das provocadas por substâncias que fazem parte da lista de entorpecentes. Estes produtos nasceram nos Estados Unidos, mas o sucesso e as novas tecnologias os espalharam rapidamente pelo resto do mundo, o que despertou o alerta de certos setores, apesar de alguns analistas acreditarem que não existe risco de dependência. Fontes da missão interministerial para a luta contra as drogas e a toxicologia da França explicaram à EFE que se trata de um fenômeno que não é 'nem alarmante, nem emergente' e que, por enquanto, não tem motivo para ser proibido. No entanto, as drogas digitais invadiram a França nos últimos dois meses e, por enquanto, seus efeitos são desconhecidos e não há estudos realizados sobre o assunto no país. Especialistas em neuropsicologia observam que os sons relaxam, ajudam na concentração e são usados com fins terapêuticos para algumas doenças como o autismo. Certas frequências podem estimular a imaginação ou a criatividade, o que poderia criar as alucinações que os consumidores afirmam ter durante ou após as sessões. Existe um alerta sobre a possibilidade de que, com o tempo, as drogas digitais possam provocar disfunções cerebrais. Os possíveis perigos das 'e-drugs' não parecem preocupar os jovens, que compartilham suas experiências nas redes sociais, onde recomendam as melhores doses. 'Senti chamas em meus braços, que desciam gradualmente até os dedos dos pés, tinha a impressão de que meu braço pesava uma tonelada e um dos meus dedos estava curvado. Então comecei a me sentir muito estranho. Foi genial', relata 'Sugar Killer', além de dizer que viu uma tartaruga, um elefante verde e até Papai Noel nos pés de sua cama. As drogas mais populares da rede têm nomes sugestivos, como Orgasm, Peyote, Marijuana ou Lucid Dream. 'Meu coração batia muito forte e eu tremia como um louco. Após a dose, me acalmei e parou. Respirei forte e achei que foi ótimo. Efeitos depois da dose: excitação e vontade de fazer muitas coisas. A vida é genial', diz uma usuária apelidada Larta. As sessões são divididas por temas. Assim, é possível encontrar algumas prescritas para desenvolver a imaginação, aproveitar mais uma partida de videogame ou atividades esportivas, ou até mesmo para aumentar o prazer das relações sexuais. 'No início, nada de especial, como sempre, relaxamento muscular... mas depois de dez minutos me senti muito bem. Tinha mais sensibilidade em minhas extremidades, e de repente tive uma ereção', comenta outro internauta. 'Comecei a escrever em inglês como um romance de verdade, as ideias fluíam pela minha cabeça. Não tive a necessidade de olhar o dicionário, as palavras vinham sozinhas. Não tinha acabado de escrever uma cena e já tinha a seguinte na cabeça', assegura Aiana. Apesar das dúvidas sobre seu consumo, as 'e-drugs' se proliferam rapidamente graças às redes sociais."


Desde logo posso afirmar uma coisa: o uso, ou mesmo a disponibilização das "e-drugs", não enseja a aplicação da Lei n. 11.343/06. O primeiro motivo é simplesmente a não-inclusão delas na Portaria n. 344/98 MS/SVS. Mas elas poderiam ser incluídas no ato normativo? Sim, desde que sejam efetuados pequenos ajustes legais (tanto a portaria, quanto a lei, ao definirem drogas, entorpecentes e psicotrópicos, falam em substâncias - ao que me consta, não existem "substâncias sonoras"). Há, ainda, um segundo ponto: deve ser estabelecido se as "e-drugs" causam dependência física ou psíquica, pois foram pouco estudadas. Ademais, como são produzidos seus efeitos? Por mera sugestão ou existe, de fato, um componente hipnótico ou similar na combinação de sons?

Em suma, não há como se defender qualquer medida de política criminal que tenha como objeto as "e-drugs" antes de se avançar nas pesquisar científicas sobre o tema. Nesse ponto, direito e medicina caminham lado a lado, a fim de se determinar precisamente os potenciais riscos à saúde pública.

Abraços a todos.

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