quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ameaça como crime autônomo e como meio executório de outros delitos. Breves consiiderações.

Estou meio sem tempo para escrever artigos mais aprofundados. Além dos já agitados plantões na 12a DP (Copacabana), peguei mais turmas na faculdade do que poderia dar conta (vislumbro férias no horizonte!). Então, aproveitando uns minutinhos do meu sabadão, vou aproveitar para discorrer sobre um tema que me ocorreu ao ver o vídeo abaixo:

Ou seja, quero tratar especificamente da grave ameaça, também chamada de violência moral ou vis compulsiva, meio executório de uma série de delitos, bem como tipificada de forma autônoma no artigo 147 do Código Penal.

Acerca do tema, tratando especificamente do crime de constrangimento ilegal, escrevi em meu livro:

"Grave ameaça (vis compulsiva) é a coação moral, é o tormento psicológico imposto à vítima. Não basta qualquer ameaça para a adequação da conduta ao tipo penal, mister seja grave. A gravidade é aferida pela ponderação de valores entre o bem ameaçado e a postura exigida pelo agente. Também deve ser a ameaça verossímil (passível de concretização) e iminente (que está para acontecer), assim como deve ser certo o bem ameaçado (não pode ser vago). Tais condições, todavia, serão avaliadas de acordo com as condições pessoais da vítima. Por exemplo, promessas de bruxarias e feitiços não intimidam a maioria das pessoas, mas podem atemorizar um indivíduo rústico". (GILABERTE, Direito Penal III).

É evidente que a ameaça pode ser fraudulenta, ou seja, artifícios e ardis podem ser usados para tolher a liberdade indivdual da vítima. Justamente por isso, o conhecido golpe do "falso sequestro", em que o criminoso simula ter um ente querido do lesado sob seu poder exigindo uma contrapartida financeira por sua liberdade, caracteriza crime de extorsão, não de estelionato.

A injustiça da ameaça não é exigida em todos os tipos penais. Trata-se de uma particularidade do crime do artigo 147 do CP (afinal, incriminar toda e qualquer ameaça, ainda que justa, inviabilizaria boa parta das relações sociais), não repetida em delitos como a extorsão, ou o constrangimento ilegal, pois nesses delitos (e em outros) a reprovabilidade do comportamento é determinada pela exigência de um comportamento do lesado e não meramente pela promessa do mal.

Não deve ser olvidado, por derradeiro, que a ameaça, quando colocada como meio executório de crimes mais graves, é por esses absorvida, aplicando-se o conflito aparente de normas. Todavia, creio que mesmo em situações diversas, quando a ameaça não está ínsita em outro tipo penal, mas se encontra com ele em relação de unidade fática, havendo um "todo normativo", deve ser ela absorvida, com a aplicação do princípio da consunção. Assim o é, por exemplo, na relação entre lesão corporal e ameaça. Xingamentos, impropérios, promessas vãs e afins são desdobramentos naturais da conduta violenta, razão pela qual imagino persistir apenas o crime do artigo 129, nessas hipóteses.

Em tempo: no vídeo publicado, obviamente não temos uma grave ameaça, dada a inconsistência do mal prometido.

Abraços a todos.

sábado, 15 de outubro de 2011

Ctrl C + ctrl V: Transexuais e a Lei Maria da Penha

Transexual que sofreu maus tratos por parte do parceiro, consegue na Justiça direito à aplicação da Lei Maria da Penha. A decisão é da juíza Ana Claudia Magalhães, da 1ª Vara Criminal de Anápolis, que manteve o acusado na prisão e o proibiu, quando em liberdade, de estar a menos de mil metros da ofendida e de seus familiares, bem como de manter contato com ela e seus entes em linha reta, por qualquer meio de comunicação.
"A mulher Alexandre Roberto Kley, independentemente de sua classe social, de sua raça, de sua orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social", sustentou a juíza em sentença, ao aplicar os dispositivos da Lei 11.340, sobre violência doméstica.
De acordo com os autos, o nome da ofendida é 'Alexandre Roberto Kley'. No entanto, a autora fora submetida a uma cirurgia de mudança de sexo há 17 anos e atualmente trabalha como cabeleireira. A transexual viveu em condições maritais durante um ano com Carlos Eduardo Leão. No entanto a condição de alcoólico inveterado de Leão acabou dando um fim prematuro ao romance.
No dia 10 de setembro de 2011, ele a procurou relatando que estava no fim de um tratamento contra alcoolismo e precisava da ajuda de sua ex-companheira, já que não tinha parentes em Anápolis e necessitava de um lugar para dormir. Munida de boa-fé e sentimento de solidariedade, a transexual acabou cedendo e deixou que Leão entrasse em sua residência.
Qual não foi a surpresa? Ao entrar na casa, Leão imediatamente mostrou a que veio e retribuiu as amabilidades da cabeleireira com violência e covardia. Agrediu a transexual física e verbalmente, expulsou-a de sua própria moradia, ameaçou-a de várias formas e num ato de insanidade quebrou eletrodomésticos e objetos da casa.
A juíza salientou a condição de mulher da vítima, sobretudo ao fato dela ser vista assim perante a sociedade, o que, segundo a sua decisão, torna ainda mais legítima a aplicação da Maria da Penha ao caso. "Somados todos esses fatores, conferir à ofendida tratamento jurídico que não o dispensado às mulheres (nos casos em que a distinção estiver autorizada por lei), transmuda-se no cometimento de um terrível preconceito e discriminação inadmissível, posturas que a Lei Maria da Penha busca exatamente combater."
Quanto à diferença entre sexos e gênero, a juíza salientou que o termo "mulher" pode se referir tanto ao sexo feminino, quanto ao gênero feminino, o sexo é determinado quando uma pessoa nasce, mas o gênero é definido ao longo da vida. Logo, não teria sentido sancionar uma lei que tivesse como objetivo a proteção apenas de um determinado sexo biológico. De gênero entende-se que se refere às características sociais, culturais e políticas impostas a homens e mulheres e não às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Desse modo, a violência de gênero não ocorre apenas de homem contra mulher, mas pode ser perpetrada também de homem contra homem ou de mulher contra mulher.

Fonte: www.conjur.com.br

Dica de página jurídica: Prof. Sandro Caldeira

Direito Penal descomplicado. Notícias atualizadas. Métodos mnemônicos. Navegação fácil. Essas são apenas algumas das qualidades do site do Prof. Sandro Caldeira, grande amigo e Delegado de Polícia aqui no RJ. E com um benefício adicional, que vocês jamais vão encontrar no meu blog: as músicas jurídicas. Meu talento como cantor não permite voos tão altos...

Abraços a todos.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Explosão do Restaurante Filé Carioca: enquadramento típico

As estarrecedoras imagens da explosão ocorrida em um restaurante no Centro do Rio de Janeiro, que matou três pessoas e feriu dezessete, nada mais são do que aquilo que Gabriel García Marques alhures chamou de "crônica de uma morte anunciada": a precária, para não dizer inexistente, fiscalização do poder público, associada a licenças "provisórias", que nada mais são do que um jeitinho de permitir o funcionamento de estabelecimentos inadequados, além de corriqueira fonte de recursos ilícitos que alimentam a corrupção, decerto foram fatores decisivos para a tragédia. Evidentemente, não se busca, aqui, o afastamento da responsabilidade penal do proprietário do restaurante, mas é evidente que os agentes públicos que fizeram vista grossa para a irregularidade, seja por qual motivo, se identificados (o que é improvável), deveriam também ser penalmente imputados. Mas qual seria a tipificação adequada para o caso em apreço?


Não tenho dúvidas em afirmar a existência de crime de explosão culposa, com resultado morte também culposo (artigo 251, p. 3., c/c artigo 258, ambos do Código Penal). Certamente, o proprietário do estabelecimento não tinha o objetivo de ver sem empreendimento voando pelos ares, apesar da imprudência em instalar botijões de gás em local fechado, propiciando o surgimento de bolsões em caso de vazamento. Portanto, creio não haver se falar em dolo indireto (eventual). Não houve assunção do risco de se produzir a explosão, razão pela qual o crime de perigo surge na modalidade culposa. No que concerne aos resultados lesivos (lesão corporal leve, grave e morte), as lesões leves são absorvidas pela própria explosão. Ainda assim, restam as lesões graves e as mortes. Ajusta-se ao fato o disposto no artigo 258 do Código Penal, no qual apenas uma das mortes servirá para incrementar a pena. Os demais resultados serão avaliados pelo Juiz da causa quando da fixação da pena-base (artigo 59 do Código Penal).

Insta salientar, ainda, que a Lei n. 8.176/90 prevê condutas criminosas que tratam do uso inadequado de gás liquefeito de petróleo (artigo1.o, II), mas não versa sobre seu uso em restaurantes e estabelecimentos congêneres, impedindo a aplicação do referido diploma.