Entende-se por aborto sentimental (ou humanitário) aquele em que a gravidez é resultante de estupro, permitindo a intervenção cirúrgica para a preservação da higidez psicológica da gestante. Nestes casos, uma vez colhida a manifestação de vontade da gestante ou, se impossível o pronunciamento desta, de seus representantes legais, o médico (e apenas ele) extraordinariamente pode interromper a gravidez, exterminando o produto da concepção. No entanto, será que o médico deveria requisitar documetação "comprobatória" do estupro para realizar a cirurgia? Entendo que não e passo a expor os motivos:
- Não existe documentação capaz de provar um estupro, senão a sentença condenatória transitada em julgado. Impossível esperar sua prolação para a realização do aborto.
- O registro de ocorrência (ou boletim de ocorrência, denominação mais comum) é meramente a documentação de uma notícia-crime formulada em sede policial. Ou seja, não é prova de verossimilhança da alegação. Se a gestante narra na Delegacia um estupro, o policial obrigatoriamente vai consignar tal versão no registro, sem qualquer análise prévia sobre a pertinência da narrativa.
- Ademais, a gestante NÃO PODE SER COMPELIDA a registrar o estupro para fim de aborto. Isso porque o estupro é crime de ação pública condicionada. Isto é, confere-se à gestante o DIRETO de optar pela conveniência da investigação e da futura ação penal, seja para preservá-la em sua intimidade, seja para (novamente) salvaguardar sua saúde psicológica. Obrigá-la a optar entre o aborto ou o registro do crime significa tolher o exercício do direito, expondo-a desnecessariamente.
- Exames periciais, de igual forma, não são prova conclusiva de estupro. É possível um estupro que não deixe marcas, ou o desaparecimento destas (até porque a gravidez não é descoberta imediatamente, propiciando sejam apagados naturalmente os vestígios). Sinais de violência, ao revés, também não são prova conclusiva de crime sexual.
Abraços a todos.
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