sábado, 9 de novembro de 2013

Notas pontuais sobre os crimes contra a saúde pública

1- Na epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º, CP), entendo que o resultado qualificador pode ser doloso ou culposo, na contramão da doutrina majoritária. Tal qual no latrocínio, a pena é excessivamente alta, sendo desproporcional consagrar a qualidade de tipo preterdoloso neste dispositivo. Ademais, é o resultado morte que torna a epidemia um crime hediondo. E a hediondez não pode derivar de uma forma unicamente culposa, pois não expressa a vilania incomum, a repugnância exigida pela lei especial. Assim, não vejo outra saída senão adotar a forma também dolosa.

2- Aliás, o crime de epidemia é um excelente exemplo de que as normas incriminadoras admitem interpretação extensiva, quando resta evidenciado que esse resultado é o único a conferir significado lógico ao trabalho hermenêutico. Ou seria possível negar o caráter criminoso na provocação de uma pandemia? O raciocínio aqui é o mesmo utilizado para a bigamia/poligamia (art. 235, CP).

3- No crime de corrupção, adulteração, falsificação ou alteração de produtos para fins terapêuticos ou medicinais, ainda seja o § 1º-A um "saco de gatos", há como se tentar compatibilizá-lo com a CF. Embora seja inadequada a alocação de "cosméticos" (para a ANVISA, em seu site, "produtos feito com substâncias naturais e sintéticas ou suas misturas, para uso externo nas diversas partes do corpo humano - pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral -, com o objetivo de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência, corrigir odores corporais, protegê-los ou mantê-los em bom estado) e "saneantes" (segundo definição da ANVISA em seu site, "substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no tratamento de água") na objetividade material do delito, se os produtos, uma vez modificados, colocam em risco significativo a saúde pública, não há se falar na desproporcionalidade propalada pela doutrina quase uníssona. Assim se daria, por exemplo, com um produto de desinfecção de CTI adulterado, que impõe perigo maior do que a falsificação de um analgésico. O mesmo se diga de um protetor solar. Portanto, uma vez retirados da norma os produtos que pouca ou nenhuma relação tem com a preservação da saúde pública, torna-se mais razoável a redação típica.

4- É impressionante como a doutrina negligencia certas categorias de crimes, nas quais encontramos tipos penais importantes. Isso se dá, por exemplo, nos crimes de perigo contra os meios de transporte, vistos corriqueiramente na prática (acidente com bondinho em Santa Teresa-RJ, por exemplo), mas tratados de forma superficial nos livros, a ponto de muitos aplicadores do direito sequer conhecerem sua existência. Isso se dá também com os crimes contra a saúde pública. Um tipo penal que possui certa importância, mas quase não é comentado, é o inscrito no artigo 278 do CP (outras substâncias nocivas à saúde pública), que pode restar caracterizado, por exemplo, quando o dono de um estabelecimento comercial vende "thinner" (solvente orgânico) para um morador de rua, sabendo que a substância será por ele inalada. Deve ser visto que o solvente não se encontra na Portaria de nº 344/98 SVS/MS, portanto não pode ser considerado droga.

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