Notícia colhida do site da UOL:
"PF em Minas Gerais prende 22 em operação contra quadrilha que traficava medicamentos
A Polícia Federal em Minas Gerais prendeu 22 pessoas em uma operação contra uma quadrilha que traficava medicamentos para emagrecer contendo substâncias psicotrópicas anorexígenas e de uso controlado. De acordo com a PF, o núcleo da quadrilha atuava principalmente nas cidades de Ipatinga e Coronel Fabriciano. Durante as investigações, que tiveram início em agosto de 2008, foram apreendidas diversas correspondências enviadas pelos Correios ao exterior, principalmente para os Estados Unidos e Portugal, contendo os medicamentos emagrecedores. (...) O nome da operação, F-40, faz alusão ao principal composto existente nos medicamentos emagrecedores, conhecido por Femproporex. A substância, utilizada como inibidor do apetite, é capaz de causar dependência física ou psicológica, como descrito em portaria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os integrantes da quadrilha devem responder pelo crime de trafico de drogas, com pena de 5 a 15 anos de prisão".
Sempre que os tipos penais da Lei Antidrogas (Lei 11.343/06) são comentados, diz-se que se tratam de normas penais em branco, ou seja, definições típicas que somente têm eficácia a partir do momento em que seu conteúdo é complementado, seja por uma lei penal ou por ato normativo diverso. No caso do tráfico de drogas e crimes afins, esse complemento reside na Portaria SVS/MS nº 344/98. Entretanto, raramente é comentado o conteúdo desta portaria, de modo que a maioria dos operadores do direito sequer sabem que ela contém várias substâncias arroladas em diversas listas (Listas A a F, constantes do Anexo I), algumas aptas a satisfazer os conceitos exigidos pela Lei nº 11.343/06, outras não. Vejamos:
(a) O artigo 1º, p. único, da Lei 11.343/06 afirma que drogas são as substâncias ou produtos capazes de causar dependência física ou psíquica. Tal definição deve ser complementada pelo disposto no artigo 66 da mesma lei, que estabelece a aplicabilidade do Anexo I da Portaria nº 344/98 como norma definidora do conceito de drogas, não especificando qualquer das listas. Assim, como a Lei nº 11.343/06 mencionou genericamente o Anexo I, fica a impressão de que todas as listas contém substâncias ou produtos que podem ser classificadas como drogas. Nessa esteira já decidiu o TRF da 1ª Região (HC 2008.01.00.040487-8 BA, inteiro teor). Adotado este entendimento, excessivamente ampliativo, a venda indiscriminada de anabolizantes, por exemplo, seria enquadrada como tráfico de drogas.
(b) Em verdade, a interpretação do artigo 66 deve ser balizada pelo p. único do artigo 1º. Todas as listas do Anexo I da Portaria nº 344/98 podem ser usadas, desde que as substâncias ali enumeradas possam causar dependência física ou psíquica. Essas substâncias estão somente nas Listas A, B, F1 e F2, não nas demais. Os anabolizantes, por exemplo, estão na Lista C5 e, portanto, não podem ser considerados drogas. O comércio ilegal de anabolizantes caracteriza o crime previsto no artigo 273, § 1º-B, I, do Código Penal (mesmo dispositivo em que podem ser enquadrados aqueles que vendem certos medicamentos abortivos, como o Citotec).
(c) A Lista D traz os chamados precursores das drogas, ou seja, substâncias que não têm propriedades entorpecentes ou psicotrópicas, tais como o clorofórmio e o éter, mas que podem ser utilizadas na preparação das drogas. O comércio ilegal dessas substâncias caracteriza o crime do artigo 33, § 1º, I, da Lei 11.343/06.
(d) A Lista E traz apenas as plantas que podem gerar entorpecentes ou psicotrópicos. O seu cultivo é incriminado pela Lei 11.343/06 (artigos 28, § 1º e 33, § 1º, II), mas os vegetais propriamente ditos não são classificados como drogas.
(e) As substâncias anorexígenas estão na Lista B1, reservada àquelas que tenham propriedades psicotrópicas, como o femproporex, objeto da operação da Polícia Federal citada na reportagem. Tais substâncias são drogas, uma vez que satisfazem tanto o disposto no artigo 1º, quanto o aludido no artigo 66 da Lei 11.343/06. O enquadramento dado pela PF, por conseguinte, está correto, não merecendo qualquer ressalva.
(f) Essa é a posição adotada, dentre outros, pelo TJMG (AC 1.0000.00.326241-7/000). Mas, importa dizer, não é uma posição pacífica. O TJRJ (HC 2008.059.072.98) entende que apenas as substâncias e produtos contidos nas Listas E e F são drogas. Aparentemente, essa posição é respaldada por Guilherme de Souza Nucci, em seu Leis Penais Especiais Comentadas.
Deve ser frisado, todavia, que, a despeito da posição adotada, é imprescindível que o conteúdo da Portaria nº 344/98 seja sabido, para que o conhecimento científico não seja limitado à velha cantilena das "normas penais em branco".
UPDATE
Recente decisão do STJ reconheceu que todas as listas do Anexo I são aptas a complementar os tipos penais da Lei n. 11.343/06.
"PF em Minas Gerais prende 22 em operação contra quadrilha que traficava medicamentos
A Polícia Federal em Minas Gerais prendeu 22 pessoas em uma operação contra uma quadrilha que traficava medicamentos para emagrecer contendo substâncias psicotrópicas anorexígenas e de uso controlado. De acordo com a PF, o núcleo da quadrilha atuava principalmente nas cidades de Ipatinga e Coronel Fabriciano. Durante as investigações, que tiveram início em agosto de 2008, foram apreendidas diversas correspondências enviadas pelos Correios ao exterior, principalmente para os Estados Unidos e Portugal, contendo os medicamentos emagrecedores. (...) O nome da operação, F-40, faz alusão ao principal composto existente nos medicamentos emagrecedores, conhecido por Femproporex. A substância, utilizada como inibidor do apetite, é capaz de causar dependência física ou psicológica, como descrito em portaria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os integrantes da quadrilha devem responder pelo crime de trafico de drogas, com pena de 5 a 15 anos de prisão".
Sempre que os tipos penais da Lei Antidrogas (Lei 11.343/06) são comentados, diz-se que se tratam de normas penais em branco, ou seja, definições típicas que somente têm eficácia a partir do momento em que seu conteúdo é complementado, seja por uma lei penal ou por ato normativo diverso. No caso do tráfico de drogas e crimes afins, esse complemento reside na Portaria SVS/MS nº 344/98. Entretanto, raramente é comentado o conteúdo desta portaria, de modo que a maioria dos operadores do direito sequer sabem que ela contém várias substâncias arroladas em diversas listas (Listas A a F, constantes do Anexo I), algumas aptas a satisfazer os conceitos exigidos pela Lei nº 11.343/06, outras não. Vejamos:
(a) O artigo 1º, p. único, da Lei 11.343/06 afirma que drogas são as substâncias ou produtos capazes de causar dependência física ou psíquica. Tal definição deve ser complementada pelo disposto no artigo 66 da mesma lei, que estabelece a aplicabilidade do Anexo I da Portaria nº 344/98 como norma definidora do conceito de drogas, não especificando qualquer das listas. Assim, como a Lei nº 11.343/06 mencionou genericamente o Anexo I, fica a impressão de que todas as listas contém substâncias ou produtos que podem ser classificadas como drogas. Nessa esteira já decidiu o TRF da 1ª Região (HC 2008.01.00.040487-8 BA, inteiro teor). Adotado este entendimento, excessivamente ampliativo, a venda indiscriminada de anabolizantes, por exemplo, seria enquadrada como tráfico de drogas.
(b) Em verdade, a interpretação do artigo 66 deve ser balizada pelo p. único do artigo 1º. Todas as listas do Anexo I da Portaria nº 344/98 podem ser usadas, desde que as substâncias ali enumeradas possam causar dependência física ou psíquica. Essas substâncias estão somente nas Listas A, B, F1 e F2, não nas demais. Os anabolizantes, por exemplo, estão na Lista C5 e, portanto, não podem ser considerados drogas. O comércio ilegal de anabolizantes caracteriza o crime previsto no artigo 273, § 1º-B, I, do Código Penal (mesmo dispositivo em que podem ser enquadrados aqueles que vendem certos medicamentos abortivos, como o Citotec).
(c) A Lista D traz os chamados precursores das drogas, ou seja, substâncias que não têm propriedades entorpecentes ou psicotrópicas, tais como o clorofórmio e o éter, mas que podem ser utilizadas na preparação das drogas. O comércio ilegal dessas substâncias caracteriza o crime do artigo 33, § 1º, I, da Lei 11.343/06.
(d) A Lista E traz apenas as plantas que podem gerar entorpecentes ou psicotrópicos. O seu cultivo é incriminado pela Lei 11.343/06 (artigos 28, § 1º e 33, § 1º, II), mas os vegetais propriamente ditos não são classificados como drogas.
(e) As substâncias anorexígenas estão na Lista B1, reservada àquelas que tenham propriedades psicotrópicas, como o femproporex, objeto da operação da Polícia Federal citada na reportagem. Tais substâncias são drogas, uma vez que satisfazem tanto o disposto no artigo 1º, quanto o aludido no artigo 66 da Lei 11.343/06. O enquadramento dado pela PF, por conseguinte, está correto, não merecendo qualquer ressalva.
(f) Essa é a posição adotada, dentre outros, pelo TJMG (AC 1.0000.00.326241-7/000). Mas, importa dizer, não é uma posição pacífica. O TJRJ (HC 2008.059.072.98) entende que apenas as substâncias e produtos contidos nas Listas E e F são drogas. Aparentemente, essa posição é respaldada por Guilherme de Souza Nucci, em seu Leis Penais Especiais Comentadas.
Deve ser frisado, todavia, que, a despeito da posição adotada, é imprescindível que o conteúdo da Portaria nº 344/98 seja sabido, para que o conhecimento científico não seja limitado à velha cantilena das "normas penais em branco".
UPDATE
Recente decisão do STJ reconheceu que todas as listas do Anexo I são aptas a complementar os tipos penais da Lei n. 11.343/06.
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