A jurisprudência do STF vem se consolidando no sentido de não adimitir a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Até aí, não há nenhuma surpresa, já que meramente se promove um retorno ao entendimento clássico do colendo Tribunal, em que pese a surpreendente decisão proferida no HC 89827/SP (reconhecendo o crime continuado). Causam estranheza, todavia, os argumentos expendidos para rechaçar a tese.
No HC 91370/SP, o Tribunal insinua que o crime continuado só seria admissível quando os atos libidinosos diversos da conjunção carnal constituíssem "prelúdio ao coito" ou "meio para a consumação do crime de estupro". Equivocam-se os insígnes Ministros: nessas hipóteses, a doutrina é pacífica em reconhecer o concurso aparente de normas, não o concurso de delitos. Isto é, sempre que o ato libidinoso constitui antecedente natural da cópula vagínica, é por ela absorvido. Há, tão-somente, crime de estupro. Entendo que, para tratar da continuidade delitiva, a decisão deveria abordar se os crimes em apreço são da mesma espécie e se a unidade de desígnio é requisito de tal modalidade de concurso.
Em se tratando da unidade de desígnio, sua exigência caracteriza a adoção da teoria objetivo-subjetiva, na qual requisitos fáticos (circunstâncias semelhantes de tempo, local etc.) são combinados com uma espécie de "dolo unitário", ou seja, somente haveria crime continuado quando o agente pretendesse cometer crime único, ainda que fracionado em várias condutas. De acordo com Alcides da Fonseca Neto, em seu excelente livro O Crime Continuado, adotam esta posição, dentre outros, Magalhães Noronha, Álvaro Mayrink e Zaffaroni. Contrariamente opinam Fragoso, Nilo Batista, Hungria e outros, para os quais somente requisitos de índole objetiva são exigidos no crime continuado (teoria objetiva). O STF, em acórdãos mais recentes, vem cuidando do tema (por exemplo, HC 96959/SP), asseverando que a intenção do agente deve ser perquirida.
No que concerne aos crimes da mesma espécie, deve ser instado que as decisões mais atuais do Supremo não fazem referência à discussão. Assim, e considerando a decisão isolada proferida no HC 89827/SP, imagina-se que o Tribunal defenda que estupro e atentado são da mesma espécie delitiva, até porque, se não o fossem, não haveria sentido em se perder tempo discutindo os demais aspectos da questão. Assim, crimes da mesma espécie são aqueles que ofendem a mesma objetividade jurídica e que têm descrição típica assemelhada. O informativo 551 do STF, contudo, mostra que a Min. Carmen Lúcia tem entendimento diverso (são crimes da mesma espécie aqueles que estão dentro da mesma estrutura típica - estupro e atentado seriam crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie), embora a sua ressalva não conste do acórdão.
Por derradeiro, vale dizer que várias decisões fazem referência aos crimes praticados contra vítimas diferentes. O Código Penal, gize-se, não restringe a continuidade delitiva aos crimes praticados contra vítima única. Essa é a única interpretação que pode ser extraída da redação do artigo 71, parágrafo único, do CP. O resto é balela.
Sobre o tema: NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado; BÉZE, Patrícia Mothé Glioche. Concurso Formal e Crime Continuado.
No HC 91370/SP, o Tribunal insinua que o crime continuado só seria admissível quando os atos libidinosos diversos da conjunção carnal constituíssem "prelúdio ao coito" ou "meio para a consumação do crime de estupro". Equivocam-se os insígnes Ministros: nessas hipóteses, a doutrina é pacífica em reconhecer o concurso aparente de normas, não o concurso de delitos. Isto é, sempre que o ato libidinoso constitui antecedente natural da cópula vagínica, é por ela absorvido. Há, tão-somente, crime de estupro. Entendo que, para tratar da continuidade delitiva, a decisão deveria abordar se os crimes em apreço são da mesma espécie e se a unidade de desígnio é requisito de tal modalidade de concurso.
Em se tratando da unidade de desígnio, sua exigência caracteriza a adoção da teoria objetivo-subjetiva, na qual requisitos fáticos (circunstâncias semelhantes de tempo, local etc.) são combinados com uma espécie de "dolo unitário", ou seja, somente haveria crime continuado quando o agente pretendesse cometer crime único, ainda que fracionado em várias condutas. De acordo com Alcides da Fonseca Neto, em seu excelente livro O Crime Continuado, adotam esta posição, dentre outros, Magalhães Noronha, Álvaro Mayrink e Zaffaroni. Contrariamente opinam Fragoso, Nilo Batista, Hungria e outros, para os quais somente requisitos de índole objetiva são exigidos no crime continuado (teoria objetiva). O STF, em acórdãos mais recentes, vem cuidando do tema (por exemplo, HC 96959/SP), asseverando que a intenção do agente deve ser perquirida.
No que concerne aos crimes da mesma espécie, deve ser instado que as decisões mais atuais do Supremo não fazem referência à discussão. Assim, e considerando a decisão isolada proferida no HC 89827/SP, imagina-se que o Tribunal defenda que estupro e atentado são da mesma espécie delitiva, até porque, se não o fossem, não haveria sentido em se perder tempo discutindo os demais aspectos da questão. Assim, crimes da mesma espécie são aqueles que ofendem a mesma objetividade jurídica e que têm descrição típica assemelhada. O informativo 551 do STF, contudo, mostra que a Min. Carmen Lúcia tem entendimento diverso (são crimes da mesma espécie aqueles que estão dentro da mesma estrutura típica - estupro e atentado seriam crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie), embora a sua ressalva não conste do acórdão.
Por derradeiro, vale dizer que várias decisões fazem referência aos crimes praticados contra vítimas diferentes. O Código Penal, gize-se, não restringe a continuidade delitiva aos crimes praticados contra vítima única. Essa é a única interpretação que pode ser extraída da redação do artigo 71, parágrafo único, do CP. O resto é balela.
Sobre o tema: NETO, Alcides da Fonseca. O Crime Continuado; BÉZE, Patrícia Mothé Glioche. Concurso Formal e Crime Continuado.
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