No último dia 27, durante a exibição do programa Brasil Urgente (Rede Bandeirantes) o apresentador José Luiz Datena, ao noticiar um crime bárbaro, afirmou que o criminoso não teria "deus no coração". Em seguida, depois de estimular uma pesquisa sobre a crença em deus, passou a destilar palavras preconceituosas, tachando os ateus de "estupradores", "assassinos" e expressões afins.
Sobre o ocorrido, em meio ao incômodo silêncio da imprensa, encontrei excelente artigo do filósofo Helio Schwartsman, publicado no site da Folha de São Paulo. Em linhas gerais, o articulista rebate a associação do ateísmo à criminalidade, mas defende a liberdade de expressão de Datena.
No primeiro ponto, concordo plenamente com Schwartsman. Inclusive destaco alguns pontos de sua argumentação: "embora diversas crenças se apresentem como fonte da moral, esse é um vínculo que não resiste às evidências empíricas disponíveis nem à análise da incipiente ciência moral"; "numa leitura darwinista, a moral nada mais é do que uma coleção de sentimentos como os de justiça, culpa, raiva, lealdade que evoluíram para possibilitar e aprimorar a vida em sociedade".
No entanto, discordo do articulista no segundo ponto, também destacando suas palavras: "Acredito em liberdade de expressão em sua forma forte. O Datena é livre para dizer o que pensa de ateus, e, nós para afirmar o que quisermos de suas declarações, da religião e da própria ideia de Deus. O debate tende a ficar veemente, mas, enquanto ninguém substituir palavras por fogueiras, estamos num jogo razoavelmente civilizado. Se só pudermos dizer o que as pessoas estão dispostas a ouvir sem ofender-se, a liberdade de expressão nem precisaria estar inscrita na Constituição." Em que pese a relevância deste direito constitucional, ele não pode servir de escudo à prática de condutas criminosas (no caso sob análise, refiro-me ao art. 20 da Lei 7.716/89).
Para defender meu ponto de vista, vou me valer de uma colocação de Goeorge Marmelstein: "Lá nos EUA, prevalece o 'laissez-faire, laissez-passer' em matéria de liberdade de expressão, ou seja, o Estado não deve intervir nessa seara, salvo em raras ocasiões. Os norte-americanos acreditam fortemente que as idéias ruins e equivocadas devem ser censuradas não pelo Estado, mas pela própria sociedade, através da manifestação natural de repugnância e desprezo, sem necessitar de qualquer repressão jurídica ao pensamento. Para eles, não cabe ao Estado, nem mesmo ao juiz, definir o que é bom ou ruim em termos de idéias. É o indivíduo, plenamente consciente e eticamente responsável pelas suas escolhas, que deve exercer o juízo crítico e pessoal sobre aquilo que ele considera capaz de lhe engrandecer como ser humano. Por isso, tirando situações excepcionais em que a manifestação das idéias pode ocasionar violência ('hate speech'), é totalmente livre a liberdade de expressão, sobretudo para criticar o governo, as pessoas públicas e os costumes". Não sou um especialista em direitos fundamentais como o prof. Marmelstein, mas me parece que a situação se enquadra precisamente na definição de "hate speech" (discurso de ódio). Ou seja, tem o condão de incitar a violência contra ateus, mostrando-se competamente irracional.
Sobre o ocorrido, em meio ao incômodo silêncio da imprensa, encontrei excelente artigo do filósofo Helio Schwartsman, publicado no site da Folha de São Paulo. Em linhas gerais, o articulista rebate a associação do ateísmo à criminalidade, mas defende a liberdade de expressão de Datena.
No primeiro ponto, concordo plenamente com Schwartsman. Inclusive destaco alguns pontos de sua argumentação: "embora diversas crenças se apresentem como fonte da moral, esse é um vínculo que não resiste às evidências empíricas disponíveis nem à análise da incipiente ciência moral"; "numa leitura darwinista, a moral nada mais é do que uma coleção de sentimentos como os de justiça, culpa, raiva, lealdade que evoluíram para possibilitar e aprimorar a vida em sociedade".
No entanto, discordo do articulista no segundo ponto, também destacando suas palavras: "Acredito em liberdade de expressão em sua forma forte. O Datena é livre para dizer o que pensa de ateus, e, nós para afirmar o que quisermos de suas declarações, da religião e da própria ideia de Deus. O debate tende a ficar veemente, mas, enquanto ninguém substituir palavras por fogueiras, estamos num jogo razoavelmente civilizado. Se só pudermos dizer o que as pessoas estão dispostas a ouvir sem ofender-se, a liberdade de expressão nem precisaria estar inscrita na Constituição." Em que pese a relevância deste direito constitucional, ele não pode servir de escudo à prática de condutas criminosas (no caso sob análise, refiro-me ao art. 20 da Lei 7.716/89).
Para defender meu ponto de vista, vou me valer de uma colocação de Goeorge Marmelstein: "Lá nos EUA, prevalece o 'laissez-faire, laissez-passer' em matéria de liberdade de expressão, ou seja, o Estado não deve intervir nessa seara, salvo em raras ocasiões. Os norte-americanos acreditam fortemente que as idéias ruins e equivocadas devem ser censuradas não pelo Estado, mas pela própria sociedade, através da manifestação natural de repugnância e desprezo, sem necessitar de qualquer repressão jurídica ao pensamento. Para eles, não cabe ao Estado, nem mesmo ao juiz, definir o que é bom ou ruim em termos de idéias. É o indivíduo, plenamente consciente e eticamente responsável pelas suas escolhas, que deve exercer o juízo crítico e pessoal sobre aquilo que ele considera capaz de lhe engrandecer como ser humano. Por isso, tirando situações excepcionais em que a manifestação das idéias pode ocasionar violência ('hate speech'), é totalmente livre a liberdade de expressão, sobretudo para criticar o governo, as pessoas públicas e os costumes". Não sou um especialista em direitos fundamentais como o prof. Marmelstein, mas me parece que a situação se enquadra precisamente na definição de "hate speech" (discurso de ódio). Ou seja, tem o condão de incitar a violência contra ateus, mostrando-se competamente irracional.
Passando à análise do art. 20 da Lei nº 7.716, é crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Aplica-se ao forma qualificada, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa, quando a conduta é praticada "por intermédio dos meios de comunicação ou publicações de qualquer natureza".
Guilherme de Souza Nucci (Lei Penais e Processuais Comentadas, 2008) menciona genericamente, como bem jurídico tutelado no referido dispositivo, a preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei. Entretanto, a Lei n. 7.716/89 cuida do direito à igualdade especificamente no que tange aos conceitos de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Por exemplo, não engloba a discriminação ou o preconceito por motivo de gênero, orientação sexual, idade ou condição de pessoa portadora de deficiência. Questiona-se, portanto, se a proteção ao ateísmo poderia ser conferida pelo diploma legal, a par da tutela à liberdade religiosa.
O ateísmo é, em verdade, uma crença, não uma religião. A crença na inexistência de deus. E nisso em nada difere das religiões, cujos seguidores creem na existência divina. Liberdade religiosa é, em última análise, uma decorrência óbvia da liberdade de crença. Aqui, portanto, reside um dos objetos da tutela jurídica do art. 20. Protege-se tanto o direito de crer (em deus, qualquer que seja ele - inclusive nos deuses de mitologias antigas, como a egípcia, que tanto influenciou o cristianismo), quanto o direito de não crer (ou em crer que deus não existe). Por conseguinte, confere-se aplicabilidade à Lei n. 7.716/89 ao caso em comento.
De uma forma ou de outra, considere-se criminoso ou não o comportamento do apresentador, a melhor resposta ao ocorrido deveria ser dada pelo público, buscando programas televisivos mais comprometidos com a informação e com o debate crítico, ao invés de incensar o jornalismo sensacionalista. Será pedir demais?
Guilherme de Souza Nucci (Lei Penais e Processuais Comentadas, 2008) menciona genericamente, como bem jurídico tutelado no referido dispositivo, a preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei. Entretanto, a Lei n. 7.716/89 cuida do direito à igualdade especificamente no que tange aos conceitos de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Por exemplo, não engloba a discriminação ou o preconceito por motivo de gênero, orientação sexual, idade ou condição de pessoa portadora de deficiência. Questiona-se, portanto, se a proteção ao ateísmo poderia ser conferida pelo diploma legal, a par da tutela à liberdade religiosa.
O ateísmo é, em verdade, uma crença, não uma religião. A crença na inexistência de deus. E nisso em nada difere das religiões, cujos seguidores creem na existência divina. Liberdade religiosa é, em última análise, uma decorrência óbvia da liberdade de crença. Aqui, portanto, reside um dos objetos da tutela jurídica do art. 20. Protege-se tanto o direito de crer (em deus, qualquer que seja ele - inclusive nos deuses de mitologias antigas, como a egípcia, que tanto influenciou o cristianismo), quanto o direito de não crer (ou em crer que deus não existe). Por conseguinte, confere-se aplicabilidade à Lei n. 7.716/89 ao caso em comento.
De uma forma ou de outra, considere-se criminoso ou não o comportamento do apresentador, a melhor resposta ao ocorrido deveria ser dada pelo público, buscando programas televisivos mais comprometidos com a informação e com o debate crítico, ao invés de incensar o jornalismo sensacionalista. Será pedir demais?
Claro que não seria pedir demais. O mundo jornalístico está repleto de sensacionalistas, que POUCO se importam com a informação e verdadeiramente NÃO se importam com debates críticos.
ResponderExcluirBruno, não sei se lembra de mim, mas fui seu aluno na Estácio de Madureira. Gostaria de saber onde vc ministra aulas de pós-graduação.
ResponderExcluirAbs
Vítor Goulart Lomba
email: vitgoulartl@gmail.com
Fale Vitor! Bom falar com você, rapaz. E a Fernanda, como vai?
ResponderExcluirDou aulas na pós presencial e telepresencial da Estácio (em Direito Penal).
Abraços fortes.
A Fernanda está ótima, toda vez que nos encontramos, sempre acabamos falando de você, (como eram boas as aulas). Estamos querendo fazer uma pós. A presencial é ministrada em que Campus da Estácio? A pós é de Penal e Processo Penal?
ResponderExcluirAbs.
É em penal e processo penal, e é minstrada no Menezes Cortes.
ResponderExcluirAbs.
Professor, boa a discussão levantada. Concordo com a sua posição contrária à do articulista. Liberdade de expressão é uma coisa, disseminar generalizações, preconceito e ignorância num meio de comunicação de massa é outra! Atitudes como essa só reforçam os estereótipos sobre quem não acredita em deus. Tanta gente fala em liberdade religiosa, mas dizer "não acredito em deus" desperta olhares muito, mas muuuito mais esquisitos do que dizer por exemplo que é adepto de práticas religiosas que também são alvo de discriminação, como candomblé, umbanda etc.
ResponderExcluirBom saber que a lei aplica-se a casos como este.
Pois é, infelizmente a discriminação contra ateus é pouco debatida, embora seja mais intensa que a discriminação religiosa.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Abraços.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirsou seu aluno da estacio ilha, noite, primeiro periodo(te perguntei sobre o novo cpp).
ResponderExcluirse o reporter tivesse um minimo de bom senso, ele refletiria que agora, ele poderia estar na situacao passiva, de ser chamado pelos mais variados xingamentos, tal qual ele faz com quem comete um crime. Pregando o direito penal maximo, vendo no DP uma resposta para todo conflito, como que se a sociedade nao fosse por si so , feita de conflitos, e o DP deve sempre ser a ultima ratio, como bem ensinou o professor de penal, rs. O Boris Casoy foi outro politicamente correto, q escorregou na propria casca de banana.
Infelizmente, Marcelo, esse é o tipo de postura que dá audiência.
ResponderExcluirAbraços.
Eu não acredito que esta discriminação se encaixe na lei 7.716 cuida do direito à igualdade especificamente no que tange aos conceitos de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.Até porque Ateísmo não é religião. Acredito que teria que ter uma "não-religião" no descrição do artigo.
ResponderExcluirola seu bruno antes de tudo quero dizer q voce e liiiiindoooo.
ResponderExcluirbom eu nao faço faculdade ainda,mas estou estudando para o enem.Estou lhe enviando mensagens
ResponderExcluirporque eu admiro muito o seu trabalho me chamo fabiola.
É um grande erro afirmar que ateísmo é crença. Não, não é! É descrença.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá, boa matéria, é infelismente que temos comentários como esse em um canal de comunicação, isso é graças ao aparecimento de reportagem sensacionalistas que esta virando moda para ganhar audiência, e as notícias sérias vão ficando para trás, só discordo de um ponto na matéria, Teísmo não é crença, eu não creio em nada, meu lema é: Tenho certeza, ou não tenho, se eu acredito no big bang ? Não! Eu não posso porque é teoria e está incompleto, por isso não posso comprovar, e por isso não vivo de teorias, essa é a diferença do ateísmo e da religião, o princípio ateu é como a ciência, a ciência pode mudar conforme descoberta de fatos e evidências, por isso se vc é adepto a ciência vc tem mente aberta, se vc utiliza o sistema de crença tem mente fechada, já que os adeptos da corrente do criacionismo não pode mudar de opinião conforme descobertas da ciência. Assim é a crença, de acordo com sua religião, não pode mudar o que pensa sobre, homem,mulher, homossexuais, outras raças e cores, diferente de nós que aceitamos todos independente, pois vemos o mundo como ele realmente é, sem distorção, seu nenhum mundo mágico que existe em nossa imaginação enquanto vivemos aqui.
ResponderExcluirCorreção do meu comentário, ATEISMO/Teísmo...SEM/seu...
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