Aqueles que me conhecem sabem que adoro minha profissão. Não, não estou falando das aulas. Essas são meu hobby, são um prazer (só não falo que as daria de graça porque podem cortar meu salário). Trato das atividades desenvolvidas como Delegado de Polícia. Tanto assim que nunca cogitei fazer outro concurso público, depois de minha aprovação. Mas há situações no dia a dia de uma Delegacia que são extremamente irritantes. Crimes banais, falta de educação da população em geral e estrutura precária são algumas delas. Mas nada é tão pavoroso quanto os conflitos de vizinhança. Hoje, relatando alguns procedimentos, deparei-me com um desses casos. E faço questão de reproduzir aqui o relatório por mim elaborado. Abraços a todos.
"Cuida-se, o feito, de AIAI instaurado para a apuração de suposto ato infracional análogo aos crimes de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, na forma tentada, e AMEAÇA, imputados ao adolescente-infrator L. M. C.. Os fatos foram noticiados nesta DP por L. S. DE M., esposa do tio de L. M. C., segundo a qual existe uma rixa familiar envolvendo L. S. DE M. e seu marido L. C., em face da irmã deste e mãe de L. M. C., de nome H.. Todos moram no mesmo sobrado e, como costumeiramente ocorre, primam pela intolerância e pela ausência de diálogo no trato diário, crendo que prevalece o interesse daquele que 'grita mais alto', o que, invariavelmente, demanda o desnecessário concurso das forças policiais. Em suma, não há santos na história e todos são responsáveis pela animosidade existente. Sobrecarregam irresponsavelmente a polícia e deveriam ser punidos por 'conflito banal', caso existisse tal figura criminosa.
No caso em apreço, a confusão iniciou-se por conta de um cano quebrado, sucedido por acusações mútuas, xingamentos e blá, blá, blá... ou seja, o usual. Em determinado momento, o adolescente-infrator lançou uma garrafa contra a parede. Há testemunhas que dizem que a garrafa foi jogada contra L. S. DE M., tendo ele errado o alvo. Outras dizem que foi atirada na direção oposta, como forma de expressão de descontentamento. L. C. DE M. afirma que não apenas era o alvo da conduta, como também os cacos da garrafa teriam ferido de forma leve sua filha R. (um arranhão), ferimento este não examinado imediatamente porque a noticiante só compareceu à DP cinco dias depois, impedindo qualquer conclusão pericial precisa. Há dúvidas, ainda, sobre a suposta ameaça proferida por L. M. C. contra L. C. ('eu vou te dar uma coça'), confirmada por testemunhas, mas negada por outras. Aliás, a credibilidade das testemunhas é nenhuma, pois também pertencem ao mesmo ramo familiar, seja por parentesco cosanguíneo, seja por afinidade, moram em casas vizinhas e mantém relação conflituosa com os demais envolvidos. Sem atestar ou negar a veracidade da ameaça, entretanto, é bom que se diga que, tal como narrada, teria sido proferida em animus irae, o que afasta seu caráter típico, por falecer o propósito intimidativo. Ademais, foi ela, se verdadeira, provocada acintosamente por aqueles que se dizem vítimas.
Assim, nada se aproveita no presente procedimento. A única conclusão a que se chega é que os envolvidos não sabem viver em sociedade e, portanto, deveriam ser compulsoriamente removidos para algum rincão em nosso país, onde teriam a oportunidade de discutir com pedras ou animais, livrando o poder público dos gastos inerentes à atividade de polícia judiciária empregados em tão patética apuração. Se pudesse, imporia o pagamento de custas a todos os envolvidos. Mas não posso fazer nada, senão resignar-me. Por conseguinte, encaminho o feito ao Ministério Público, sugerindo seu arquivamento. Aos envolvidos, sugiro tratamento psicológico. É o relatório."
Peguei pesado?