quarta-feira, 29 de junho de 2011

Explosões em bueiros - incidência do Direito Penal


"Após explosão de bueiro no Flamengo, Light prevê mais vistorias na rede - O Globo: RIO - Um orelhão derretido e vários trechos de Botafogo, Flamengo, Laranjeiras e Largo do Machado sem luz. Um problema num bueiro na altura do número 151 da Rua Senador Vergueiro, no Flamengo - que a Light afirma não ter sido explosão - causou problemas na região . A Light informou que contratou mais de 250 eletricistas para reforçar o quadro de funcionários e que um plano de prevenção prevê, até o fim de 2011, a manutenção e substituição de equipamentos, como transformadores, além da ampliação do número de inspeções na rede subterrânea. A companhia diz que o bueiro liberou apenas fumaça, mas uma foto tirada pela leitora Mara Bergamaschi é bem clara: mostra um telefone público totalmente queimado ao lado do bueiro. Em nota, a Light informa que não houve feridos. Houve interrupção no fornecimento de energia entre 11h até as 14 horas, quando o fornecimento de energia foi normalizado. Sebastião Silva, porteiro de um prédio próximo ao bueiro, contou que por volta das 7h já tinha percebido os primeiros sinais de fumaça no local. '- Saiu uma fumaça branca - contou Sebastião. - Os bombeiros vieram depois da explosão e do fogo.' Uma faixa de trânsito da Rua Senador Vergueiro foi interditada, provocando um congestionamento que teve reflexos na Praia de Botafogo. Operadores de tráfego orientavam motoristas nos cruzamentos com sinais apagados. '- O que aconteceu? - perguntou um motorista. - Mais um bueiro explodiu? Que absurdo!'. A indignação do motorista era a mesma de muitos que observavam, filmavam e fotografavam o bueiro cercado de técnicos da Light. '- Como podemos viver assim? Passo por essa calçada todos os dias com o meu filho, que ainda é bebê -' disse a dona de casa Marlene Cruz, moradora da Rua Cruz Lima, no Flamengo. Ao seu lado, o aposentado Gustavo Lima Paiva acrescentou: '- Chego à conclusão de que estamos vivendo sobre várias bombas, que podem explodir a qualquer momento.' A falta de energia elétrica em plena hora do almoço mudou a rotina de muita gente. Bares e restaurantes ficaram vazios, sem funcionar. Alguns fecharam as portas parcialmente. Moradores do bairro também foram prejudicados. (...)"

Quando começou essa série de incidentes envolvendo bueiros da Light, eram razoáveis as alegações de falta de previsibilidade; da necessidade de tempo para investimentos; do empenho em mapear a rede subterrânea para prevenir novos desastres etc. Destarte, não se vislumbrava a aplicação do Direito Penal, sendo razoável circunscrever os eventos à seara do Direito Civil ou do Direito Administrativo. Entretanto, depois de várias explosões, algumas resultando em vítimas gravemente lesionadas, torna-se incompreensível a ausência de aporte maciço de recursos na solução do problema, evidenciando-se a negligência dos administradores da companhia.

Há que se averiguar, portanto, quem são os responsáveis pela manutenção da rede (aqueles que têm o poder de determinar a execução dos imperiosos reparos), indiciando-os por crime de explosão culposa. Evidentemente, não cogito de conduta dolosa, sequer por dolo indireto, pois as explosões mancham a imagem da empresa, trazendo prejuízos para investidores, o que certamente não é por eles desejado. Existe, isso sim, cristalina ineficiência, caracterizadora de culpa consciente.

Não obstante, deve o poder público buscar medidas administrativas mais incisivas, visando a impor sanções à concessionária. Desconheço a atuação do Ministério Público no caso, mas duvido que o parquet esteja inerte. Vejamos as cenas do próximo capítulo.

Abraços a todos.

Teoria do erro aplicada


Deu no Jornal O Dia: "Menino morre ao comer biscoito envenenado por colegas de escola" "Recife - Uma criança de apenas 12 anos morreu ao comer bolachas enevenenadas por colegas de escola em Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. O caso aconteceu na última terça-feira, mas a polícia só revelou nesta segunda. Tudo se passou quando um grupo de duas meninas decidiu se vingar de outras duas colegas e pôs chumbinho em alguns biscoitos. A vítima foi chamada para levar os biscoitos para os alvos do ataque e, sem saber que estavam envenenados, acabou comendo uma bolacha no meio do caminho. Apesar de ter sido encaminhado ao hospital, o jovem não resistiu. As meninas confessaram ter colocado chumbinho nos biscoitos, mas a polícia ainda avalia a punição para os responsáveis."

A despeito da menoridade penal dos envolvidos, há dois aspectos que devem ser avaliados nesse caso. Em princípio, deu-se o erro provocado por terceiro. As autoras, ao entregarem os biscoitos para o colega, pretendiam usá-lo para a execução do ato infracional, aproveitando-se de sua inocência. Ou seja, hipótese evidente de autoria mediata, onde responderão pelo ilícito penal, se invencível o erro, apenas aquelas que o determinaram. Agora, se o terceiro tivesse entregado os biscoitos às almejadas vítimas mesmo percebendo que existia algo de errado eles (como, por exemplo, se tivesse percebido a violação da embalagem e a presença de uma substância granulada sobre eles), preferindo simplesmente ignorar a suspeita, poderia ser responsabilizado por ato infracional culposo (leia-se: aquelas que envenenaram o alimento responderiam por conduta dolosa, mas o garoto que efetivou a entrega cometeria um ato culposo). Não haveria que se falar em concurso de pessoas, por inexistir homogeneidade do elemento subjetivo. O concurso somente surgiria se o terceiro notasse a intenção homicida das colegas, optando por aderir à sua vontade, aplicando-se, por conseguinte, a regra do artigo 29 do Código Penal, isto é, todos responderiam pela mesma infração penal.

Contudo, a entrega do alimento envenenado não ocorreu. Ao contrário, o terceiro enganado, deconhecendo a presença do veneno, ingeriu os biscoitos, vindo a falecer, o que caracteriza verdadeiro erro na execução (aberratio ictus). Assim, a conduta das adolescentes será tipificada como se as vítimas visadas fossem as atingidas. É claro que, como houve resultado único, não há que se falar em duplo ato infracional análogo ao homicídio qualificado consumado, mas sim em um homicídio qualificado consumado e outro tentado.

Abraços a todos.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Mais do que um relatório, um desabafo

Aqueles que me conhecem sabem que adoro minha profissão. Não, não estou falando das aulas. Essas são meu hobby, são um prazer (só não falo que as daria de graça porque podem cortar meu salário). Trato das atividades desenvolvidas como Delegado de Polícia. Tanto assim que nunca cogitei fazer outro concurso público, depois de minha aprovação. Mas há situações no dia a dia de uma Delegacia que são extremamente irritantes. Crimes banais, falta de educação da população em geral e estrutura precária são algumas delas. Mas nada é tão pavoroso quanto os conflitos de vizinhança. Hoje, relatando alguns procedimentos, deparei-me com um desses casos. E faço questão de reproduzir aqui o relatório por mim elaborado. Abraços a todos.

"Cuida-se, o feito, de AIAI instaurado para a apuração de suposto ato infracional análogo aos crimes de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, na forma tentada, e AMEAÇA, imputados ao adolescente-infrator L. M. C.. Os fatos foram noticiados nesta DP por L. S. DE M., esposa do tio de L. M. C., segundo a qual existe uma rixa familiar envolvendo L. S. DE M. e seu marido L. C., em face da irmã deste e mãe de L. M. C., de nome H.. Todos moram no mesmo sobrado e, como costumeiramente ocorre, primam pela intolerância e pela ausência de diálogo no trato diário, crendo que prevalece o interesse daquele que 'grita mais alto', o que, invariavelmente, demanda o desnecessário concurso das forças policiais. Em suma, não há santos na história e todos são responsáveis pela animosidade existente. Sobrecarregam irresponsavelmente a polícia e deveriam ser punidos por 'conflito banal', caso existisse tal figura criminosa.

No caso em apreço, a confusão iniciou-se por conta de um cano quebrado, sucedido por acusações mútuas, xingamentos e blá, blá, blá... ou seja, o usual. Em determinado momento, o adolescente-infrator lançou uma garrafa contra a parede. Há testemunhas que dizem que a garrafa foi jogada contra L. S. DE M., tendo ele errado o alvo. Outras dizem que foi atirada na direção oposta, como forma de expressão de descontentamento. L. C. DE M. afirma que não apenas era o alvo da conduta, como também os cacos da garrafa teriam ferido de forma leve sua filha R. (um arranhão), ferimento este não examinado imediatamente porque a noticiante só compareceu à DP cinco dias depois, impedindo qualquer conclusão pericial precisa. Há dúvidas, ainda, sobre a suposta ameaça proferida por L. M. C. contra L. C. ('eu vou te dar uma coça'), confirmada por testemunhas, mas negada por outras. Aliás, a credibilidade das testemunhas é nenhuma, pois também pertencem ao mesmo ramo familiar, seja por parentesco cosanguíneo, seja por afinidade, moram em casas vizinhas e mantém relação conflituosa com os demais envolvidos. Sem atestar ou negar a veracidade da ameaça, entretanto, é bom que se diga que, tal como narrada, teria sido proferida em animus irae, o que afasta seu caráter típico, por falecer o propósito intimidativo. Ademais, foi ela, se verdadeira, provocada acintosamente por aqueles que se dizem vítimas.

Assim, nada se aproveita no presente procedimento. A única conclusão a que se chega é que os envolvidos não sabem viver em sociedade e, portanto, deveriam ser compulsoriamente removidos para algum rincão em nosso país, onde teriam a oportunidade de discutir com pedras ou animais, livrando o poder público dos gastos inerentes à atividade de polícia judiciária empregados em tão patética apuração. Se pudesse, imporia o pagamento de custas a todos os envolvidos. Mas não posso fazer nada, senão resignar-me. Por conseguinte, encaminho o feito ao Ministério Público, sugerindo seu arquivamento. Aos envolvidos, sugiro tratamento psicológico. É o relatório."

Peguei pesado?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Código de Hammurabi (Museu do Louvre)



Prometi, há certo tempo, que faria uma postagem relacionada à viagem de estudos à Paris e Barcelona, por ocasião do Curso Superior de Polícia Integrado. E, é claro, não cumpri a promessa... até hoje! Bom, na verdade é uma postagem meio nas coxas, pois voltei agora da faculdade, onde estive aplicando prova e tô morto. Ainda vou desenvolver melhor o tema. Mas as fotos que ilustram esse texto e constituem o objeto do presente estudo são do Código de Hammurabi (Babilônia), uma das primeiras codificações a tratar do Direito Penal, juntamente com o Código de Manu (Índia). Durante a semana vou trazer algumas curiosidades sobre ele e demonstrar a sua importância para o desenvolvimento da ciência penal. Aguardem!