sábado, 26 de maio de 2012

Flamengo, Ronaldinho e o Direito Penal


"A cena surreal de Roberto Assis, irmão e empresário de Ronaldinho, levando camisas da loja oficial do Flamengo de graça para compensar a dívida do clube com o craque (de R$ 3,75 milhões), pode virar caso de polícia. Inconformado, o conselheiro benemérito e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Siro Darlan entrou com uma representação na 14ª DP (Leblon) para pedir abertura de inquérito contra Assis. No requerimento, Darlan cita dois artigos do Código Penal que Assis teria violado quarta-feira, na loja Fla Concept, na Gávea. O conselheiro acusa o irmão de Ronaldinho de 'selecionar 80 produtos diversos' e tentar sair da loja sem pagar, o que se enquadraria no artigo 155 (subtrair coisa alheia móvel). Ao ser impedido pelo gerente da loja de sair com os produtos e argumentar que 'o Flamengo não paga meu irmão, então não vou pagar também', o empresário estaria fazendo justiça pelas próprias mãos (artigo 354). O requerimento também afirma que o irmão de Ronaldinho 'foi autorizado a levar, sem pagar, 25 camisas', após uma hora e meia de negociações com o vice de finanças, Michel Levy, e funcionários da loja. Darlan diz que o dirigente do Flamengo não tem atribuição legal no clube para autorizar tal liberação de produtos, o que caracterizaria “coautoria na prática infracional'. Por fim, Darlan incluiu no requerimento, como testemunhas, funcionários da loja Fla Concept e a presidenta do Flamengo, Patricia Amorim. Procurado, Assis estava no hospital acompanhando a cirurgia da mãe, dona Miguelina, e avisou que falaria neste sábado."

A notícia acima reproduzida, além de mostrar claramente um excelente exemplo da desorganização reinante no futebol brasileiro, bem como da falta de civilidade do empresário em apreço, merece algumas considerações no que concerne à tipificação da conduta. Vamos partir do pressuposto de que as informações constantes na representação do Desembargador e Conselheiro do Flamengo Siro Darlan sejam absolutamente verdadeiras (ao menos, elas guardam uma aura de verossimilhança, por tudo o que foi exposto na mídia).

Para a existência do crime de exercício arbitrário das próprias razões, mister a existência de uma pretensão dedutível em juízo, exercitada de forma abusiva. Ou seja, o interessado, substituindo-se ao Judiciário, resolve satisfazer por conta própria um direito, real ou suposto, fazendo "justiça com as próprias mãos. Tal delito está capitulado no artigo 345 do Código Penal (e não no artigo 354, como citado na reportagem). Todavia, a conduta do agente deve ser dirigida àquele que, ao menos teoricamente, deveria ser responsável por implementar o direito violado (ou seja, a pessoa que figuraria no polo passivo de eventual ação judicial, caso o agente buscasse a satisfação de seus direitos regularmente, em juízo). Assim não fosse, a pessoa que roubasse um transeunte por necessidade financeira, em virtude no atraso salarial determinado pela empresa em que trabalha, responderia pelo exercício arbitrário, o que é uma aberração. No caso em comento, a ação foi dirigida contra a empresa fornecedora de material ao clube, que (ao menos de acordo com as parcas informações conhecidas) não faz parte da relação jurídica Ronaldinho-Flamengo. Portanto, a menos que a empresa esteja inadimplente em relação ao pagamento de royalties, ou coisa que o valha, não há se cogitar do exercício arbitrário (seria diferente se o empresário procrasse diretamente atingir o patrimônio do clube). De mais a mais, à exceção daqueles casos em que condutas variadas são praticadas contra vítimas diferentes, não se deve impor o furto em concurso com o exercício arbitrário. Tais delitos, segundo pensamos, são autoexcludentes. Existindo furto não há exercício arbitrário e vice-versa.

No que concerne ao furto, aparentemente a ação do empresário consistiu em tentar subtrair invito domino coisa alheia móvel, com intenção de assenhoramento, o que permite a subsunção da conduta ao preceituado no artigo 155 do Código Penal. Mas há um detalhe que deve ser observado: durante a execução do crime, o empresário fez contato com um diretor do clube que, aparentemente, conseguiu que a empresa autorizasse a retirada do material. Se de fato isso ocorreu, existe consentimento do ofendido concomitante à ação deituosa, o que retira seu caráter criminoso.

Obviamente, a avaliação aqui realizada é perfunctória, pois baseada nos dados que vieram a público. Não pode ser tomada como uma posição definitiva sobre o caso. Mas, como objeto de estudo, tudo o que foi publicado é deveras interessante,

Abraços a todos.

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