terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Paciência

Peço desculpas a todos por não postar mais artigos com tanta frequencia. Mal comecei a corrigir as provas discursivas do concurso para Delegado (menos de cinco por cento das questões), portanto ainda vai demorar um pouco para que o blog seja atualizado. Mas prometo novidades para janeiro. Aguardem.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Homicídio praticado por milícia privada


Segue trecho do livro Crimes em Espécie - Crimes Contra a Pessoa, de minha autoria, que será em breve lançado pela Editora Freitas Bastos:

"Homicídio praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio

A Lei nº 12.720/12, além de incluir um novo artigo no Código Penal (artigo 288-A), também aumentou a pena do homicídio em um terço, quando praticado nas hipóteses acima descritas. Obviamente, embora a lei não fale (e este é o primeiro dos muitos equívocos aqui observados), trata-se apenas do homicídio doloso, pois nenhuma relevância haveria em aumentar a pena da modalidade culposa quando praticada nas mesmas circunstâncias, pois ausente qualquer situação de maior reprovabilidade da conduta.

A exata compreensão das majorantes depende da conceituação de três termos contidos no diploma inovador, sobre os quais existe completa omissão legal definidora, a ponto de ensejar discussões acerca de possível violação ao princípio da taxatividade.[1]  São eles: organização paramilitar; milícia privada; grupo; e esquadrão.

Organização paramilitar, segundo Cezar Roberto Bitencourt, “é uma associação civil armada constituída, basicamente, por civis, embora possa contar também com militares, mas em atividade civil, com estrutura similar à militar”.[2]  Prossegue o autor: “Trata-se de uma espécie de organização civil, com finalidade civil ilegal e violenta, à margem da ordem jurídica, com características similares à força militar, mas que age na clandestinidade”.[3]  Sobre o número mínimo de integrantes da organização, reina a mais absoluta incerteza. Afirma Bitencourt: “O texto legal é, no particular, completamente omisso, voluntária ou involuntariamente, ficando a cargo de doutrina e jurisprudência sua interpretação e criação que deve ocorrer lógica e racionalmente. Poder-se-ia admitir a configuração de organização, milícia, grupo ou esquadrão composto somente por duas pessoas, que é, claramente, a menor reunião de pessoas? Logicamente, não, pois nenhuma das figuras mencionadas, por definição, admite sua formação tão somente com dois membros. Vejamos, exemplificativamente, o ‘grupo’ – que nos parece, de todos, o menor agrupamento de seres -, não se coaduna com a ideia de ‘par’, isto é, dois indivíduos não  formam um grupo, mas apenas uma dupla, que não se confunde com grupo. Podemos ter dúvida, enfim, sobre a quantidade mínima, se três ou mais membros, mas uma coisa é certa: não pode ser menos, pois, nesse caso, repetindo, não seria um grupo, mas somente uma dupla, ou seja, apenas um par e não um grupo! Assim, no nosso entendimento, o crime de ‘constituição de milícia privada’ não pode ser composto somente de duas pessoas; estamos convencidos de que, ante a lacuna legal, seja adequado exigir-se, a exemplo do crime de quadrilha (288), o mínimo de mais de três pessoas. Realmente, sua similaride e proximidade geográfica com aquele autoriza o entendimento que exige a mesma estrutura numérica, qual seja, mais de três pessoas reunidas com a finalidade de praticar crimes previstos no Código Penal. Essa interpretação restritiva é uma exigência da tipicidade estrita, que não permite uma interpretação extensiva que poderá alcançar conduta não abrangida pelo texto legal incriminador. Com efeito, afronta a lógica e o bom senso imaginar-se a formação de ‘esquadrão’, ‘milícia particular’ ou ‘organização paramilitar’ com número de participantes inferior à quadrilha prevista no art. 288 do CPP. Tratam-se, na verdade, de agrupamentos ou associações de pessoas com a finalidade delinquir que envolvem inúmeras pessoas, os quais não se estruturam apenas com dois ou três indivíduos e, in concreto, não será difícil identificar essa quantidade mínima (mais de três) como integrantes de tais milícias. Pensar diferente significa criar figura mais rigorosa que a pretendida pelo legislador, agravando a situação de envolvidos ao conceber como típicas condutas não recepcionadas pelo texto legal. No mínimo, está-se diante de um risco que o intérprete não tem o direito de correr em prejuízo do cidadão, ante uma lacuna legal”.[4]  Rogério Sanches, ao seu turno, após consignar as posições de Alberto Silva Franco e Luiz Vicente Cernicchiaro, emanadas em estudo à expressão “grupo de extermínio”, constante da Lei nº 8.072/90 (segundo aquele, no mínimo quatro integrantes; para este, três ou mais), insinua sua opção: “Com o advento da Lei 12.694/12 (organizações criminosas), já percebemos doutrina preferindo fundamentar o raciocínio no conceito de ‘grupo’ trazido no seu artigo 2º, que se contenta com a reunião de três ou mais pessoas”.[5]  No mesmo sentido é a lição de Eduardo Luiz Santos Cabette: “Já despontam duas correntes doutrinárias, uma afirmando a necessidade de 4 componentes e outra de 3 componentes, ambas com bons argumentos de sustentação. Advoga-se a tese de 4 componentes mediante uma interpretação sistemática do crime do novo artigo 288 – A com o crime de quadrilha ou bando previsto no artigo 288, CP. Para a configuração da quadrilha são necessárias mais de 3 pessoas, conforme consta da dicção direta e reta do artigo 288, CP. Ora, se para a formação de uma simples quadrilha são necessárias pelo menos 4 pessoas, o que se dirá sobre uma organização paramilitar ou um grupo de extermínio? Doutra banda encontra-se o argumento de que, na falta de definição legal, que é o que ocorre com o artigo 288 – A e os parágrafos 6º e 7º dos artigos 121 e 129 respectivamente, todos do Código Penal, não se poderia considerar como grupo, organização, milícia ou esquadrão uma ou duas pessoas, mas apenas a partir de três. Quanto ao artigo 288, CP, fato é que nele o legislador foi expresso, o que está a autorizar claramente a exigência de ao menos 4 pessoas. No silêncio da lei, um grupo deve ser considerado como pelo menos 3 pessoas. Tal pensamento já encontra abrigo em tradicional interpretação de crime de concurso necessário para o qual o legislador não tomou a medida de estabelecer o número mínimo de participantes, qual seja, o crime de rixa (artigo 137, CP). Esse entendimento é pacífico doutrinária e jurisprudencialmente. Tende-se a acatar esta segunda posição, inclusive por um argumento que se considera decisivo. Ocorre que a Lei 9.034/95 que trata do chamado 'Crime Organizado', foi recentemente alterada pela Lei 12.694/12. Essa lei, dentre outras modificações, trouxe um conceito de 'crime organizado', anteriormente inexistente na legislação brasileira. Nessa conceituação, agora constante do artigo 2º, da Lei 9.034/95, consta que uma 'organização criminosa' somente é admitida com a associação de pelo menos 3 pessoas. Observe-se que a Lei 12.720/12 menciona na redação do artigo 288 – A, CP  'organização' paramilitar, e neste e demais dispositivos em milícia privada ou particular, grupo de extermínio e esquadrão. Ora, todos esses grupos são organizações e podem inclusive, dependendo do caso e demais características exigidas pelo novel artigo 2º, da Lei 9.034/95 com a nova redação dada pela Lei 12.694/12, configurarem 'organizações criminosas'. Nesse passo, parece que a orientação mais escorreita em interpretação sistemática, seja com o Código Penal (artigo 137, CP), seja com a legislação esparsa (artigo 2º, da Lei do Crime Organizado), é a de que o número mínimo somente pode ser de 3 pessoas”.[6]  Parece-nos que esta seja efetivamente a melhor posição, a despeito da estranheza que possa causar em relação ao descompasso com o crime de quadrilha ou bando (de se ver que a adoção da posição diversa – a exigir no mínimo quatro pessoas – também encontraria descompasso, desta feita com o conceito de organização criminosa, de modo que a incongruência sistemática existe de uma forma ou de outra). Em verdade, o ideal seria o reconhecimento da evidente inconstitucionalidade do novo dispositivo incriminador, por violação ao princípio da taxatividade (como costuma ocorrer quando leis são elaboradas de maneira apressada, apenas para aproveitamento do clamor popular ou de eventual clima legislativo favorável à aprovação do projeto, sem que haja preocupação com a boa técnica penal). Infelizmente, enquanto não advém a declaração de inconstitucionalidade (se é que ela virá), incumbe ao intérprete a árdua tarefa de explicar o inexplicável.

Milícia privada, termo de difícil conceituação, é definida por Rogério Greco como aquela “de natureza paramilitar, isto é, a uma organização não estatal, que atua ilegalmente, mediante o emprego da força, com a utilização de armas, impondo seu regime de terror em uma determinada localidade”.[7]  De fato, o termo milícia deita raízes em tropas de segunda linha que constituíam reserva auxiliar ao Exército do Império português (razão pela qual a polícia militar durante muito tempo foi denominada “milícia”, por ser considerada uma corporação auxiliar às Forças Armadas).[8]  Justamente por isso a preocupação do texto legal em qualificar as milícias como “privadas”, isto é, de caráter paramilitar, atuando à margem do Estado (as milícias públicas, embora essa denominação tenha caído em desuso, seriam forças estatais regulares). Todavia, em que se diferem “milícias privadas” e “organizações paramilitares”? Rogério Greco, citando o sociólogo Ignácio Cano, aponta características peculiares das milícias: (a) controle de um território e da população que nele habita por parte de um grupo armado irregular; (b) o caráter coativo desse controle; (c) o ânimo de lucro individual como motivação central; (d) um discurso de legitimação referido à proteção dos moradores e à instauração de uma ordem; (e) a participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado.[9]  Assemelhada é a definição de Cezar Roberto Bitencourt: “Milícia particular tem sido definida como um grupo de pessoas (que podem ser civis e/ou militares), que, alegadamente, pretenderia garantir a segurança de famílias, residências e estabelecimentos comerciais ou industriais. Haveria, aparentemente, a intenção de praticar o bem comum, isto é, trabalhar em prol do bem estar da comunidade, assegurando-lhe sossego, paz e tranquilidade, que foram perdidos em razão da violência urbana. No entanto, essa atividade não decorre da adesão espontânea da comunidade, mas é imposta mediante coação, violência e grave ameaça, podendo resultar, inclusive, em eliminação de eventuais renitentes. Na realidade, há uma verdadeira ocupação de território, numa espécie de Estado paralelo, com a finalidade de explorar as pessoas carentes”.[10]  Note-se que o autor não menciona a obrigatória participação de agentes do Estado (com o que concordamos, embora isso ocorra no mais das vezes). Aditamos, ainda, um traço distintivo: organização paramilitar insinua uma associação mais numerosa do que a milícia privada (entretanto, qual seria o misterioso número mínimo de agentes, a fim de se caracterizar essa maior quantidade de integrantes? Ah, o legislador...).

Grupo e esquadrão, ao seu turno, são termos de grande similaridade. De início, advertimos: devem eles ser dedicados ao extermínio de pessoas (parece-nos que o legislador, aqui, quis se referir às expressões “grupos de extermínio” e “esquadrões da morte”, notadamente leigos e de absoluta imprecisão teórica). Qualquer outro entendimento redundaria na revogação tácita do crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do CP), o que, à evidência, não foi a intenção do legislador. Senão, vejamos: o artigo 288 tipifica exatamente a existência de um grupo de pessoas (juridicamente denominado quadrilha ou bando, mas que nem por isso deixa de ser um grupo) dedicado a atividades criminosas. O “grupo” a que se refere o artigo 288-A também é uma reunião de pessoas. Se entendermos que a parte final do artigo 288-A, que menciona que as associações previstas no dispositivo têm por objetivo a prática de qualquer dos crimes previstos no Código Penal, se aplica ao termo “grupo”, a maior parte das hipóteses de aplicabilidade do artigo 288 restaria frustrada. Isso porque passaria a existir a impossibilidade legal de uma quadrilha ou bando se dedicar ao cometimento de crimes do Código Penal (hipótese que invariavelmente determinaria o reconhecimento de um “grupo” do artigo 288-A). Sobrariam para o artigo 288 os crimes previstos em lei especial (desde que, é claro, ausente qualquer outra previsão específica, como o artigo 35 da Lei 11.343/06), o que causaria insustentável desigualdade: por qual motivo as associações para a prática de crimes do Código Penal deveriam ser punidas de forma diferenciada daquelas dedicadas a crimes previstos em lei especial, inclusive com sanção mais severa na primeira hipótese? Portanto, entendemos que a expressão “qualquer dos crimes deste código”, contida no artigo 288-A somente se refere às organizações paramilitares e às milícias privadas. Aos grupos e esquadrões, mister a prática de “extermínios” (essa assertiva, inclusive, encontra respaldo na nova majorante referente ao crime de homicídio, que expressamente fala em “grupo de extermínio”). Esquadrão se difere de grupo por exigir uma estrutura hierarquicamente militarizada, tal qual as organizações paramilitares e as milícias, ainda que sem o poderio e a penetração comunitária destas. Nesse sentido é o ensinamento de Valter Kenji Ishida, para quem o esquadrão também é numericamente superior ao grupo (não havendo como precisar essa superioridade numérica).[11]  Há, no entanto, quem trate “grupo” e “esquadrão” como sinônimos.[12] 

Anote-se, ainda, que qualquer que seja a hipótese de agrupamento de pessoas, deve ela observar um vínculo estável e permanente entre os integrantes, não havendo se confundir o artigo 288-A do Código Penal com o mero concurso eventual de pessoas.

Retornando ao homicídio, percebe-se que a causa de aumento de pena não menciona expressamente todas as formas associativas do artigo 288-A em seu texto: faltam, aparentemente, as organizações paramilitares e os esquadrões. Assim, vamos supor que integrantes de uma organização ou de um esquadrão pratiquem o homicídio de outrem. Estariam eles sujeitos a uma pena mais elevada? Entendemos que sim, a despeito da aparente omissão legal (outro entendimento redundaria em ausência de lógica – embora isso não seja espantoso em nosso ordenamento jurídico – e, ainda pior, em cristalina desproporcionalidade). Isso porque são estruturas criminosas legalmente equiparadas pelo artigo 288-A, inclusive na denominação, já que o artigo recebe nomen juris de “constituição de milícia privada”. Podemos disso extrair que existe um gênero (“milícia privada”), do qual são espécies a organização paramilitar, as milícias privadas propriamente ditas, os grupos e os esquadrões. No artigo 121, § 6º, do CP, o termo milícia privada foi usado desta forma genérica, englobando todas as espécies. A referência em apartado ao “grupo de extermínio” se deve à necessidade de demonstrar sua compatibilidade com a Lei dos Crimes Hediondos (artigo 1º, I, da Lei 8.072/90). E também para demonstrar que, nessa hipótese, o pretexto de “prestação de serviço de segurança” fica alijado, sendo ele atinente apenas às demais hipóteses associativas.

Aliás, esse pretexto é exigido apenas para a configuração da majorante do homicídio. Não se trata de elementar, por exemplo, da constituição de organização paramilitar, ainda que esteja umbilicalmente associado ao conceito de milícia privada propriamente dita.

No que concerne à Lei dos Crimes Hediondos, deve ser ressaltado que a menção única ao grupo de extermínio (artigo 1º, I, da Lei nº 8.072/90) não afasta a hediondez dos assassínios cometidos pelos demais agrupamentos. Isso porque invariavelmente o homicídio será qualificado (ao menos pela motivação torpe).
Uma última questão se impõe: aquele que pratica um homicídio majorado por integrar milícia privada, dando-se a morte a pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por integrar grupo de extermínio pode ser também responsabilizado pelo crime autônomo do artigo 288-A do CP, ou tal cumulação (no caso haveria concurso material) constituiria inaceitável bis in idem? Com a palavra, o STJ, tratando de situação análoga: “Em princípio, é possível considerar a circunstância da existência de quadrilha como circunstância qualificadora do crime de extorsão mediante sequestro e, ao mesmo tempo, tê-la também em conta para firma o crime autônomo, porquanto a objetividade jurídica dos tipos (quadrilha e extorsão qualificada) são autônomas e independentes. Precedentes desta Corte e do Supremo.”[13]  Ainda: “Prática concomitante do crime de roubo circunstanciado pelo concurso de agentes. Bis in idem não caracterizado. (...) 10. É perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha ou bando e o de extorsão mediante sequestro pelo concurso de agentes, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos. Precedentes do STF.”[14]  No mesmo sentido, o TRF da 5ª Região: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIMES DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO, QUALIFICADO PELA PRÁTICA POR BANDO OU QUADRILHA (ART. 159, PARÁGRAFO1º, DO CP), E DE BANDO OU QUADRILHA ARMADA (ART. 288 DO CP C/C ART. 8º DA LEI Nº 8.072/90). Indivíduos que privaram a liberdade de gerente da Caixa Econômica Federal e de seus familiares, mantendo-os em cárcere como meio de obter prestação positiva, consistente na entrega de valores existentes no Banco. Conduta que se ajusta ao tipo descrito no artigo 159 do Código Penal 4. Prática, igualmente, do crime de bando ou quadrilha, previsto no artigo 288 do Código Penal. 5. Possibilidade de concurso material entre o crime de extorsão mediante sequestro qualificado pela quadrilha ou bando e o delito do art. 288 do Código Penal (formação de bando ou quadrilha), sem que se configure bis in idem.”[15]  Na doutrina, Rogério Sanches: “A constituição de grupo criminoso já é suficiente para caracterizar o crime do art. 288-A do CP, dispensando a prática de qualquer dos crimes visados pela associação, o qual, ocorrendo, gera o concurso material de delitos. Assim, grupo de extermínio que promove matanças, responde pelos crimes dos arts. 288-A e 121, § 6º, ambos do CP, em concurso material, não se cogitando de bis in idem, pois são delitos autônomos e independentes, protegendo, cada qual, bens jurídicos próprios. O mesmo raciocínio já é aplicado pelo Supremo para não reconhecer bis in idem quando se está diante de quadrilha ou bando armado e roubo majorado pelo emprego de arma”.[16]  Contra, TJSP: “Inadmissível condenar os réus também pelo crime autônomo de formação de quadrilha. Em primeiro lugar porque não veio para estes autos prova segura de que existisse uma associação estável e permanente como sustentou a denúncia, tudo estando a indicar que se tratou de mera coautoria, com divisão de tarefas, nesse único crime. Em segundo lugar porque a quadrilha foi circunstância elementar do sequestro e não poderia  ser levada em consideração, depois disso, como crime autônomo, por se tratar de cristalino e gritante ‘bis in idem’. Não se pode admitir o que fez a sentença, ao qualificar o sequestro pelo tempo de duração, desconsiderando a quadrilha para em seguida condenar os réus por esse crime. O sequestro foi qualificado pela duração e por ter sido praticado por quadrilha armada e por isso a condenação pelo crime autônomo de formação de quadrilha armada não é admissível.”[17]  Nessa esteira, Cezar Roberto Bitencourt: “Na aplicação desta majorante deve-se agir com extremo cuidado para não incorrer em bis in idem, aplicando dupla punição pelo mesmo fato, isto é, condenar o agente pelo art. 288-A e, ao mesmo tempo, condenar pelo homicídio com o acréscimo da majorante aqui prevista. No caso, a condenação deverá ser somente pela prática do crime de constituição de milícia privada (art. 288-A) e pelo de homicídio (simples ou qualificado, dependendo das demais circunstâncias), mas sem esta nova majorante, pois, a nosso juízo, configura um odioso bis in idem. Consideramos um grave e intolerável equívoco, numa repetição da equivocada, mas felizmente já revogada, Súmula 174 do STJ, que considerava arma de brinquedo idônea para tipificar o crime de roubo e, ao mesmo, majorar-lhe a pena pelo 'emprego de arma'. Em síntese, se o agente é condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada, ainda que tenham cometido um homicídio, não poderá sofrer a majorante por tal crime ter sido praticado por integrante de milícia privada, pois representará uma dupla punição por um mesmo fundamento. Em outros termos, essa majorante somente pode ser aplicada se o autor do homicídio for reconhecido no julgamento do homicídio como suposto integrante de milícia privada, mas que não tenha sido condenado por esse crime. Por outro lado, não justifica interpretação em sentido contrário, a invocação de orientação equivocada do Supremo Tribunal Federal, que não está reconhecendo bis in idem quando se está diante de quadrilha ou bando armado e roubo majorado pelo emprego de arma. Aquele princípio constitucional de proibição do excesso aplicável ao Parlamento também vige para a Suprema Corte, que não pode ignorar suas próprias limitações constitucionais. O fato de ter a última palavra sobre a aplicação e interpretação de nosso ordenamento jurídico – e se autoautorizar a errar por último – não legitima os condenáveis excessos ignorando o texto constitucional que deve proteger.”[18] 


__________
[1] Nesse sentido já se pronunciou a profª. Cristiane Dupret: “Em conclusão, nos parece inviável que se tipifique a formação de milícia sem que a lei traga um conceito para tal grupo ou organização, sob pena de cairmos na mesma problemática da Lei 9.034/95, ao dispor sobre Organização Criminosa, em que já tínhamos entendimento do STF acerca da impossibilidade de se considerar tal conceito à margem de definição na legislação brasileira, de forma que não se pudesse deixar ao intérprete tal definição, em que pese à existência de previsão na Convenção da Palermo. A mesma linha de pensamento foi adotada na interpretação do artigo 20 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), para se aferir o conceito de ‘Atos de Terrorismo’. Para que se respeite o princípio da legalidade, torna-se essencial uma previsão que seja clara e precisa, ao que a Lei 12.720 passou ao largo. O princípio nullum crimem, nulla poena sine lege se desdobra em quatro subprincípios, que irão elevar ao máximo a função de garantia do princípio da legalidade. Dentre eles, a exigência da estrita legalidade (Lege Certa). Lege certa não permite as leis penais indeterminadas, com conceituações vagas e imprecisas. Não basta a lei penal prever a conduta, deve ela prever de forma clara e precisa. Se assim não fosse, a função de garantia do princípio da legalidade estaria fortemente comprometida” (in , acesso em 14/11/12).
[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Constituição de Milícia Privada. Disponível em , acesso em 14/11/12.
[3] Idem, ibidem.
[4] Idem, ibidem.
[5] SANCHES, Rogério. Comentários a Lei nº 12.720, de 27 de Setembro de 2012. Disponível em http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2012/09/28/comentarios-a-lei-no-12-720-de-27-de-setembro-de-2012/, acesso em 15.11.12.
[6] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Com quantas pessoas se faz uma milícia privada, uma organização paramilitar, um grupo de extermínio ou um esquadrão da morte?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3407, 29 out. 2012 . Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2012.
[7] GRECO, Rogério. Homicídio Praticado por Milícia Privada, sob o Pretexto de Prestação de Serviço de Segurança, ou por Grupo de Extermínio. Disponível em http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriogreco/2012/09/29/homicidio-praticado-por-milicia-privada-sob-o-pretexto-de-prestacao-de-servico-de-seguranca-ou-por-grupo-de-exterminio/, acesso em 15/11/12.
[8] Idem, ibidem.
[9] Idem, ibidem.
[10] Op. cit.
[11] ISHIDA, Válter Kenji. O Crime de Constituição de Milícia Privada (art. 288-A do Código Penal) Criado Pela Lei nº 12.720, de 27 de Setembro de 2012. Disponível em http://www.midia.apmp.com.br/arquivos/pdf/artigos/2012_%20crime_constituicao.pdf, acessado em 15/11/12.
[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit.
[13] HC 59.305/PR, SEXTA TURMA, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julg. em 05/05/2009.
[14] HC 123.612/SP, QUINTA TURMA, rel. Min. Laurita Vaz, julg. em 07/12/2010.
[15] TRF5 - ACR 4877 PE 2004.83.00.009641-0, Primeira Turma, Rel. Des. Federal Hélio Sílvio Ourem Campos (Substituto), julg. em 26/03/2008.
[16] SANCHES, Rogério. Op. cit.
[17] ACR 1094226370000000 SP, 2ª Câmara de Direito Criminal, rel. Des. Ivan Marques, julg. em 15/12/2008.
[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Homicídio doloso praticado por milícia privada. In . Acesso em 17/11/2012."

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Considerações pontuais sobre o estelionato e o furto mediante fraude

Consta da nova redação do meu livro, que será em breve lançado pela Editora Freitas Bastos:


"A segunda hipótese do inciso II cuida do furto mediante fraude. O agente, aqui, utiliza um ardil ou um artifício para burlar a vigilância da vítima sobre a coisa e dela se apoderar. O engodo, note-se, não proporciona imediatamente a posse da coisa, caso que configuraria crime de estelionato (artigo 171).[1] Ludibria-se a vítima para que se tenha acesso ao objeto, com a posterior subtração. Já nos deparamos com o caso de um sujeito que, a pretexto de auxiliar uma senhora idosa na operação de um caixa eletrônico, disse-lhe que o dinheiro, após a digitação da senha, sairia em outra máquina. Assim, realizada a operação, a vítima se dirigiu ao caixa indicado pelo agente, aproveitando-se este do distanciamento da lesada para levar consigo o dinheiro sacado. Certamente, o caso é de furto mediante fraude, já que a pessoa lesada não entregou voluntariamente o dinheiro ao agente, mas sim teve a sua vigilância burlada, facilitando a subtração do bem. Suponhamos, todavia, que o sujeito ativo tivesse solicitado à vítima que lhe repassasse parte do dinheiro, justificando com o pagamento de uma taxa a ser recolhida pelo uso do equipamento. Não haveria a subtração caracterizadora do furto, mas sim a concessão de uma vantagem indevida, mediante fraude. Crime de estelionato. De forma clara e concisa, Weber Martins Batista diferencia o furto mediante fraude do estelionato: 'No caso do furto, o artifício é empregado para subtrair a coisa. No estelionato, para recebê-la'.[2]
Acerca do tema em comento, alguns casos enfrentados pela doutrina e pela jurisprudência merecem destaque. A pessoa que, após abastecer seu automóvel em um posto de gasolina, foge sem pagar, comete crime de furto mediante fraude, já que o combustível somente foi colocado no tanque em virtude de um engodo, consistente na alegada intenção de pagar pelo bem. Não se cuida, portanto, nem de furto simples, como preconizado por alguns, tampouco de estelionato, pois, com a fuga, houve subtração do combustível. Se, contudo, o agente adquire um bem, prometendo o pagamento em ocasião posterior e, fraudulentamente, não o efetua, há estelionato, já que a coisa é repassada voluntariamente ao sujeito ativo, não ocorrendo subtração. Configura caso de furto mediante fraude a conduta do agente que, fazendo-se passar por manobrista, recebe o veículo da vítima e foge com o bem. Tal recebimento não induz a tipificação do estelionato, uma vez que o dono não cedeu o veículo ao agente, mas tão-somente o deixou sob sua guarda. O uso de um simulacro de arma de fogo para a intimidação da vítima, ao seu turno, não caracteriza furto fraudulento, apesar do engano a que é levada a vítima. Isso porque, além da fraude, há uma grave ameaça, que configura elementar do crime de roubo. Hungria cita, como exemplo de furto mediante fraude, um caso descrito por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere: o ladrão remove com uma pinça ou estilete a chave deixada internamente na fechadura, derrubando-a sobre um papel estirado por sob a porta, puxando em seguida o papel e, com isso, conseguindo obter a posse da chave.[3] Ousamos discordar do grande criminalista. Não há fraude, ninguém é ludibriado, mas sim habilidade na execução criminosa.
Mais debatido é o caso da subtração de energia. Suponhamos que o agente, montando um 'gato', ou seja, ligando a rede elétrica de sua casa diretamente à fiação existente na rede pública de distribuição, passe a fazer uso da energia sem a sua passagem pelo relógio de medição. Há, evidentemente, crime de furto, pois é subtraído um bem disponibilizado para a população. A hipótese se complica, entretanto, quando, em vez de captar a energia diretamente da rede elétrica, o agente adultera o funcionamento do relógio de medição, fazendo com que indique um consumo menor do que aquele efetivamente verificado. De início, constata-se a utilização de uma fraude na execução do delito. A modificação feita pelo agente é um artifício para ludibriar a empresa concessionária do serviço público. Mas essa fraude configura crime de furto fraudulento ou de estelionato? Weber Martins Batista, escrevendo sobre o tema, diz haver estelionato. Sustenta sua posição asseverando que não há subtração, mas a entrega livre do bem, embora viciada pela fraude.[4] Discordam Paulo José da Costa Jr. e Álvaro Mayrink. Para o primeiro autor, 'na espécie apresentada, o que se verifica é o furto qualificado pela fraude, que se distingue do ardil que integra o estelionato'.[5] Já o segundo jurista aduz que, no caso, a retirada da coisa é feita sem a concordância da vítima, caracterizando a subtração.[6] Pensamos que a hipótese importa crime de estelionato. Há, sim, a entrega voluntária da coisa ao agente. A empresa concessionária realiza a instalação elétrica e coloca a energia à disposição do consumidor, limitando-se a constatar, regularmente, o quanto de energia foi consumido. A fraude, assim, não incide sobre o fornecimento, mas sobre a cobrança futura. Adulterado ou não o marcador, a captação do bem se dá da mesma forma, iludindo-se apenas a aferição do consumo. Não há subtração, mas recebimento da energia. Pode ser adotado o mesmo entendimento nos casos de adulteração em bomba de combustível, de fornecimento de gás etc.
Mostra-se relevante, ainda, a atualíssima discussão acerca das transferências bancárias fraudulentas, dos saques em conta-corrente mediante uso de cartões eletrônicos obtidos mediante ardil e condutas afins. Caso comum é aquele em que o sujeito ativo vai à casa da vítima, normalmente uma pessoa idosa, passando-se por funcionário público ou empregado de alguma instituição financeira, justificando sua presença pela necessidade de um 'recadastramento'. Depois de questioná-la sobre seus dados qualificativos, solicita a apresentação do cartão bancário e o fornecimento da respectiva senha, devolvendo à vítima um cartão parecido com o original. Em seguida, o agente vai a uma agência bancária e saca a quantia depositada na conta do ingênuo lesado. Trata-se de furto fraudulento, uma vez que um engodo é usado para que se conquiste acesso ao depósito bancário, sendo a quantia subtraída invito domino. Entretanto, se o agente usar o cartão eletrônico para a contratação de um empréstimo junto à instituição financeira, passando-se por titular da conta, o crime é de estelionato, pois o lesado é a instituição financeira ludibriada para pensar que contratava com pessoa distinta do criminoso, a qual lhe fornece a vantagem indevida. Há furto mediante fraude, também, quando o agente capta informações bancárias da vítima através de um software malicioso, sorrateiramente instalado em seu computador (phishing), e depois emprega os dados para a realização de transferências eletrônicas. Já o uso de cartões de crédito 'clonados' caracteriza estelionato, pois o lesado é o estabalacimento comercial em que trabalha o empregado iludido.
Para que incida a qualificadora, pode ser usada a fraude em qualquer momento do iter criminis, desde os atos preparatórios (o agente que se disfarça para penetrar na casa da vítima, por exemplo) até os executórios (um dos coautores distrai a vítima para que o outro se apodere da coisa, v. g.). Naturalmente, uma vez consumado o furto, não há relevância no engodo (portando a res furtiva depois da subtração, o agente usa um ardil para enganar o policial que, suspeitando de sua conduta, o aborda)."

Sobre o tema, merecem destaque alguns casos peculiares, que suscitam dúvidas mais pela falta de uma observação atenta do que pela ausência de lastro científico:

a) Uso fraudulento de cheques: se o cheque é emitido para pagamentos em estabelecimentos comerciais (por exemplo, a aquisição de eletrodomésticos em uma loja), o crime é de estelionato, pois a vantagem indevida (mercadoria) é dada ao estelionatário em troca de uma contrapartida fajuta. O mesmo ocorre se o título fraudulento é usado para movimentar diretamente a conta de um correntista desavisado (por exemplo, cheque com assinatura falsificada ou valores adulterados para depósito em conta do criminoso ou para saque), pois a vantagem, embora não concedida, somente é obtida depois de ludibriado o funcionário do banco, que autoriza a transação, concedendo a vantagem ao criminoso.

b) Locação de automóveis mediante apresentação de documentação falsa, com posterior desaparecimento do veículo: há estelionato. O dolo ab initio exclui qualquer possibilidade de apropriação indébita. Nesse caso, o produto do crime (automóvel) é entregue ao autor pela empresa, que acaba lesada pela não-devolução, em que pese a promessa de restitui-lo. Situação diferente é a do veículo subtraído durante um test drive: "Segundo entendimento desta Corte, para fins de pagamento de seguro, ocorre furto mediante fraude, e não estelionato, o agente que, a pretexto de testar veículo posto à venda, o subtrai (STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 672987 MT 2004/0083646-3 - Órgão Julgador: T4  - QUARTA TURMA - Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI – Data do Julgamento: 25/09/2006)."

c) Movimentação eletrônica fraudulenta de contas: saques e transferências configuram furto. Empréstimos contraídos, pagamentos e condutas assemelhadas, estelionato (ver texto supra).

Abraços a todos.
_____________
[1] STJ, Informativo nº 453: “A Turma deu provimento ao recurso especial para subsumir a conduta do recorrido ao delito de furto qualificado pela fraude (art. 155, § 4º, II, do CP), não ao de estelionato (art. 171 do CP). In casu, o réu, como gerente de instituição financeira, falsificou assinaturas em cheques de titularidade de correntistas com os quais, por sua função, mantinha relação de confiança, o que possibilitou a subtração, sem obstáculo, de valores que se encontravam depositados em nome deles. Para o Min. Relator, a fraude foi utilizada para burlar a vigilância das vítimas, não para induzi-las a entregar voluntariamente a res” (REsp 1.173.194-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26/10/2010).

[2] MARTINS BATISTA, Weber. O furto e o roubo…, op. cit., p. 141. O autor cita um caso julgado pelo TACrimSP (JUTA, 69/353), em que duas pessoas, em comum acordo com a caixa de um supermercado, levavam várias mercadorias a esta, que, registrando somente algumas, permitia que as excedentes fossem levadas. A decisão, correta, foi pela tipificação do furto mediante fraude, já que a vontade do titular do bem (no caso, a empresa) não foi viciada para entregar espontaneamente a res furtiva para os agentes. Ao contrário, ignorava-se o ocorrido, caracterizando o furto em virtude da subtração. O STJ, em acórdão de lavra do Ministro Vicente Leal, tratou de definir os limites do furto fraudulento e do estelionato: “No crime de estelionato a fraude antecede o apossamento da coisa e é causa para ludibriar sua entrega pela vítima, enquanto no furto qualificado pela fraude, o artifício malicioso é empregado para iludir a vigilância ou a atenção. Ocorre furto mediante fraude e não estelionato nas hipóteses de subtração de veículo posto à venda mediante solicitação ardil de teste experimental ou mediante artifício que leve a vítima a descer do carro. Habeas corpus denegado” (HC 8179/GO – 6ª Turma).

[3] HUNGRIA, Nélson. Comentários…, op. cit., v. VII, p. 43.

[4] MARTINS BATISTA, Weber. O furto e o roubo…, op. cit., p. 149. A mesma posição é adotada por Fernando Capez (Curso…, op. cit., p. 363).

[5] COSTA JR., Paulo José da. Comentários…, op. cit., p. 470.

[6] MAYRINK DA COSTA, Álvaro. Direito penal…, op. cit., p. 634.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

De resto...

... é assustador verificarmos, por mais nobres que sejam as intenções, a aplicação da Teoria do Domínio do Fato pela pressuposição de ciência do evento, sem qualquer prova de dolo ou culpa.

Justiça concede HC e tranca ação penal de delegado


"Pela falta de justa causa para a instauração da ação penal e pela descrição das condutas típicas que não combinam com as informações apuradas, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu pedido de Habeas Corpus em favor de um delegado de Polícia e determinou o trancamento da ação penal movida contra ele pelo Ministério Público.

De acordo com a denúncia do ministério Pùblico do estado, o delegado praticou ato em desacordo com a lei uma vez que determinou a elaboração do boletim de ocorrência à distância por não querer ir até a Delegacia de Polícia, e ainda assinou o boletim como se estivesse presente no plantão policial, o que gerou uma declaração falsa.

Consta dos autos que o delegado era o responsável pelo plantão, na Delegacia da cidade de Paraguaçu Paulista (SP), quando policiais militares conduziram até lá um homem sob suspeita de tráfico de drogas. Como não estivesse na delegacia no momento da apresentação do suspeito, o delegado ordenou que um policial civil  elaborasse o boletim de ocorrência e liberasse o suspeito.

Segundo o advogado de defesa Orlando Machado da Silva Júnior, a suspeita de tráfico de drogas não exige a prisão em flagrante e que o delegado pode determinar o registro da ocorrência para melhor apuração dos fatos. Além disso, segundo a defesa, a denúncia é genérica e atribui conduta atípica afastando a possibilidade do delegado exercer o seu poder como tal.

Para o TJ-SP a denuncia deixa dúvida quanto à legalidade do procedimento instituído pela Secretaria de Segurança Pública: “Antes de imputar ao paciente prática do crime de prevaricação, seria recomendável à Promotoria de Justiça a cautela de obter junto à referida Secretaria de Estado a informação relacionada à legalidade dos chamados 'Plantões à Distância', pois a elucidação desse aspecto é essencial à formação da ópinio delicti´.”

Ainda, segundo o acórdão, não há indícios de que a ausência do delegado no momento da elaboração do Boletim de Ocorrência tenha sido motivada unicamente pelo desejo de não se deslocar até a delegacia: 'Melhor teria sido aguardar-se a vinda de tais informes por parte da autoridade administrativa competente, antes de deflagrar a ação penal.'

Para o relator, desembargador Amado de Faria, seria necessário determinar se o delegado agiu em conformidade com as instruções normativas editadas por seus superiores. Sem esse esclarecimento, para o julgador, é inviável julgar a ação.

Em relação à liberação de pessoas detidas por suspeita de envolvimento em tráfico de drogas, entendeu que o Ministério Público não fala com exatidão que houve a detenção de pessoas em flagrante, e assim a análise que permitiria avaliar se houve ou não o crime de prevaricação ficou prejudicada.

Ainda, para o Tribunal não há falsidade no boletim de ocorrência, uma vez que, a sua elaboração pode ser feita pelo escrivão de polícia ou outro agente policial. E assim, não se denota, de forma automática, a obrigatoriedade legal do preenchimento do documento na presença do delegado de polícia.

Por esses motivos, e pelo constrangimento ilegal, sendo temerária a ação penal, autorizada sem que houvesse justa causa, foi concedido a ordem de Habeas Corpus para o trancamento da ação penal contra o delegado."


Fonte: Conjur

Da série "como o título de um texto pode mascarar seu real conteúdo"



"Um homem que pagou R$ 0,50 para manter relações sexuais com uma menina de nove anos teve condenação confirmada em seis anos de reclusão em regime fechado. A 7ª Câmara Criminal do Tribunal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no entanto, o absolveu da acusação de favorecimento à prostituição de menores, o que lhe renderia mais alguns anos atrás das grades, segundo sentença proferida na Comarca de Faxinal de Soturno.

A relatora da Apelação criminal no tribunal, desembargadora Naele Ochoa Piazzeta, explicou que o reconhecimento de prostituição exige a constatação de comércio sexual reiterado, habitual. É necessário que o agente do delito tire proveito da sexualidade alheia. E não foi o que ocorreu no caso concreto.

Conforme a relatora, o fato de o acusado ter oferecido quantia em dinheiro para atrair a vítima e perpetrar o abuso sexual não se amolda ao delito previsto no artigo 218-B do Código Penal, pois o crime de favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável não se confunde com a própria violência sexual.

'A meu ver, a promessa em dinheiro efetuada pelo réu à infante, nos moldes ocorridos no caso em tela, deve ser avaliada quando do exame da reprovabilidade da conduta ou, ainda, das circunstâncias do crime, sem consistir crime autônomo', concluiu a relatora. O entendimento foi seguido à unanimidade pelos demais desembargadores. O acórdão é do dia 13 de setembro.

Conforme denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual, o abuso sexual ocorreu nas proximidades do horto municipal. Sob promessa de pagamento, a menina acompanhou o denunciado até uma lavoura de mandioca que, depois de despi-la, consumou o ato sexual. Mais tarde, a vítima dirigiu-se até a casa do estuprador para receber o valor prometido - cinquenta centavos. Segundo o processo, ele 'costuma de passá com as gurias e tem fama de conquistador'. Já teria oferecido dinheiro, em certa ocasião, para comprar sexo de uma mulher adulta.

A juíza de Direito Sandra Regina Moreira acolheu integralmente a denúncia do MP, condenando o denunciado pelos crimes de atentado violento ao pudor e de exploração sexual de vulnerável. Ele foi incurso nas sanções do artigo 214, combinado com os artigos 224, alínea 'a'; e artigo 218-B, c/c artigo 71, todos do Código Penal. Pena: oito anos de reclusão em regime fechado."

Fonte: Conjur

A inconstitucionalidade do artigo 218 do Código Penal em face ao princípio da proporcionalidade


A Lei nº 12.015/09, que reformou os crimes sexuais, a despeito de ter solucionado uma série de controvérsias até então existentes, teve o demérito de criar tipos penais esdrúxulos e de duvidosa constitucionalidade. Cito como exemplo –  e sobre ele irei me debruçar – o atual artigo 218 do Código Penal, assim redigido: “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”

Não se nega a reprovabilidade da conduta. Ao contrário, trata-se de comportamento vil, merecedor de severa punição. Mas é evidente que o legislador não estava em um de seus dias mais felizes (se é que eles existem) quando de sua elaboração.

Verifica-se, de início, que o dispositivo cria uma exceção dualista à teoria monista, contemplada no artigo 29 do Código Penal. Afinal, quem induz pessoa com idade inferior a 14 anos a satisfazer à lascívia de outrem, está contribuindo com a prática sexual subsequente. Se o ato sexual propriamente dito caracteriza estupro de vulnerável, o induzimento deveria seguir na mesma esteira.

Essa quebra da teoria monista não é novidade nas leis penais: encontramo-la nos crimes de abortamento, na Lei de Tortura etc. O problema é que, no caso do artigo 218, ela deságua em evidente desproporcionalidade. Breves minutos de observação atenta já demonstram a inadequação da pena cominada abstratamente ao artigo 218: 2 a 5 anos. Em comparação, a pena fixada ao estupro de vulnerável tem limites mínimo e máximo fixados em 8 e 15 anos, respectivamente. Ou seja, a punição é consideravelmente abrandada naquele comportamento que, em tese, deveria ser considerado ato de participação no estupro cometido por terceiro. 

Mas as perplexidades não param por aí. Vejamos o caso da omissão imprópria: a mãe de uma adolescente de 12 anos, ciente de que esta vem sendo molestada sexualmente pelo padrasto, nada faz, a fim de não colocar em risco o relacionamento afetivo mantido com o sujeito ativo. Nesse caso, a mãe deverá ser responsabilizada pelo mesmo crime que o padrasto, qual seja, estupro de vulnerável, segundo as regras atinentes aos crimes comissivos por omissão. Agora, se essa mesma mãe, em conluio com o padrasto e com o objetivo de satisfazer repugnante fantasia sexual deste, induz a própria filha ao ato, em tese sua conduta seria enquadrada no artigo 218 do CP. Em suma, a mãe que se omite é apenada com muito mais severidade do que aquela que age, o que não faz nenhum sentido. Ademais, merece atenção o fato de que o artigo 218 contempla apenas o induzimento de pessoas com idade inferior a quatorze anos, restando alijada da norma a conduta praticada contra pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental. Isso significa que, nessas hipóteses, aquele que convence a vítima responde pelo mesmo delito praticado por quem mantém com a vítima o amplexo sexual, qual seja, estupro de vulnerável. Por que haveria de ser diferente quando a vítima é a criança ou o adolescente de até quatorze anos?

Fica evidente, assim, a incongruência do novo tipo penal, razão pela qual o vício deve ser sanado. E a única solução plausível é a declaração de inconstitucionalidade em virtude da proteção deficiente estipulada no dispositivo, sendo a vedação à insuficiência um dos aspectos da proporcionalidade (que, ao seu turno, é uma derivação da individualização legislativa das penas, que tem sede na Constituição Federal). A reduzida sanção do artigo 218 não é apta a punir adequadamente aquele que pratica o comportamento ali descrito, deixando transparecer injustificável beneplácito a quem comete um crime grave.

Abraços a todos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Dica de site: Direito Penal Brasileiro - Prof. Cristiane Dupret

Convido-os a apreciarem o site da Prof. Cristiane Dupret, não apenas por sua excelência nas letras criminais, mas também prla invejável apresentação, muito superior a essa página mambembe que mantenho. Aproveito para postar um link para um artigo extremamente interessante: http://www.direitopenalbrasileiro.com.br/index.php/2012-08-30-13-22-00/63-lei-12-720-12-e-a-ofensa-ao-principio-da-legalidade

Faço das palavras da professora as minhas. Abraços a todos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Processo sobre caça-níquel com peça estrangeira fica com a Justiça estadual


A presença, em máquina caça-níquel, de peça não fabricada no Brasil não caracteriza, por si só, a origem estrangeira de todo o equipamento e o crime de descaminho, de competência da Justiça Federal. Por essa razão, um caso de apreensão dessas máquinas e prisão dos responsáveis pela exploração de jogo de azar deve ser processado e julgado na Justiça estadual. Essa é a decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar conflito de competência. 

A Polícia Civil do Rio de Janeiro apreendeu sete máquinas caça-níqueis e prendeu uma pessoa em uma mercearia. Ao ser comunicado do fato, o juiz de direito da 2ª Vara Criminal acolheu a manifestação do Ministério Público e declinou de sua competência em favor da Justiça Federal porque os caça-níqueis tinham uma peça, o coletor de cédulas ou “noteiro”, que não seria fabricada no Brasil. 

Já o juízo federal da 1ª Vara Criminal afirmou que não haveria nenhum elemento comprovando a origem estrangeira da máquina, uma exigência para tipificar o crime de descaminho. Por isso, ele suscitou o conflito negativo de competência. 

Indícios

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que, para tipificar a suposta prática do descaminho, são necessários indícios da origem estrangeira da mercadoria. Esse delito se consuma quando o produto é introduzido no mercado interno sem o recolhimento, no todo ou em parte, do respectivo tributo. Ele apontou a existência de laudo pericial indicando que não há empresa no Brasil que produza os “noteiros”, mas isso não torna possível assegurar que os equipamentos dos caça-níqueis tenham procedência estrangeira, tampouco que houve a internalização do produto pelo acusado. 

O ministro Bellize destacou a fundamentação da Justiça Federal, no sentido de que a competência para julgar ilícitos relacionados a jogos de azar é da Justiça estadual. O juízo federal sustentou que o “noteiro” seria apenas um componente viabilizador da exploração desses jogos, sem relevância suficiente para deslocar a competência para a alçada federal. O foco da atividade criminosa não seria o descaminho ou o contrabando, mas “a obtenção do lucro fácil pela exploração do jogo”. 

O ministro concordou com esse entendimento e declarou a competência da Justiça estadual para julgar o caso, no que foi acompanhado integralmente pelos demais ministros da Terceira Seção.

Fonte: STJ

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

“Cola eletrônica” é considerada conduta atípica no ordenamento penal brasileiro


A 3.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região concedeu a um rapaz habeas corpus ajuizado contra decisão da 10.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que recebeu denúncia contra ele pela suposta prática do crime previsto no art. 171, § 3.º, c/c art. 29, ambos do Código Penal. Segundo a denúncia, o rapaz se teria beneficiado de “cola eletrônica” para provimento do cargo de técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), organizado em 2003 pelo Cespe/UnB.

O rapaz sustenta, no pedido de habeas corpus, a atipicidade da conduta praticada, uma vez que o preenchimento de gabaritos de concursos públicos, por meio de “cola”, não se enquadra nos crimes de estelionato, falsidade ideológica ou em qualquer outro, “motivo pelo qual a denúncia é inepta”.

Os argumentos apresentados pelo rapaz foram aceitos pelo relator, desembargador federal Cândido Ribeiro. O magistrado citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que “apesar de o paciente ter se utilizado de meios fraudulentos para ser aprovado em concurso público, tal conduta é considerada atípica”.

Ainda segundo jurisprudência do STJ, “fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelho transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora”.

Com tais fundamentos, a Turma, nos termos do voto do relator, concedeu o habeas corpus para trancar a ação penal em trâmite na 10.ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.

Legislação

Artigo 171 do Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Art. 171, § 3.º: “A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência”.

Processo n.º 0051372-03.2012.4.01.0000 / DF


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Constituição de Milícia Privada: Projeto de Lei 370-E

Acabei de ler o Projeto de Lei 370-E de 2007, aprovado pelo Congresso Nacional, que tipifica o crime de "Constituição de Milícia Privada", alterando, outrossim, os crimes de homicídio e lesão corporal, que passam a contar com nova causa de aumento da pena. Confesso que fiquei com mais dúvidas do que certezas. De início, já posso afirmar que achei fraquíssima a redação legislativa, já que o Projeto sequer conceitua os termos "milícia privada", "organização paramilitar", "grupo" e "esquadrão", usados pelo legislador no provável art. 288-A. Deve ser lembrado que a doutrina há muito critica a Lei dos Crimes Hediondos por não conceituar "grupo de extermínio". Perdeu-se excelente oportunidade. A aguardar a sanção presidencial para mais comentários.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Novos enunciados do STJ com reflexos penais


Súmula 491

É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional.

Súmula 492

O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.”

Súmula 493

É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime aberto.”

domingo, 15 de julho de 2012

Decisões recentes do STJ comentadas


CORRUPÇÃO DE MENORES


As alterações trazidas pela Lei 12.015/09, que redefiniu o crime de corrupção de menores, previsto no artigo 218 do Código Penal (CP) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), levaram à extinção de punibilidade de réu acusado de manter relações sexuais com uma menor de idade. A decisão foi dada de forma unânime pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e acompanhou o voto da relatora, ministra Laurita Vaz.

Em 2002, o réu era professor de uma adolescente de 14 anos e manteve relações sexuais com ela, valendo-se de sua condição de preceptor. Por essa razão, foi condenado à pena de dois anos e seis meses pelo crime previsto na redação original do artigo 218, combinado com o artigo 226, inciso II, do Código Penal.

No recurso ao STJ, a defesa afirmou que a conduta do acusado se amoldava à redação original do artigo 218: manter ato de libidinagem com a vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos. Entretanto, a nova redação dada pela Lei 12.015 não mais considera o fato como criminoso.

Lacuna legislativa

Para a ministra Laurita Vaz, a nova legislação mais benéfica deve ser aplicada retroativamente. Ela observou, em seu voto, que a lei 12.015 alterou o delito de corrupção de menores previsto na Lei 8.069/90 e revogou, expressamente, a Lei 2.252/54, que tratava do mesmo tema. Esclareceu, ainda, que a conduta também não encontra adequação no artigo 244-B do ECA, já que este tem como principal objetivo evitar a entrada dos menores no mundo da criminalidade.

A relatora entendeu haver uma 'lacuna legislativa' na tutela da dignidade sexual de menores, pois não há legislação específica para o ato sexual com maior de 14 e menor de 18 anos, não inserido em contexto de favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual.

A ministra destacou que, seguindo o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, é obrigatório concluir que houve abolitio criminis (quando lei posterior descriminaliza uma conduta), tendo em vista que o sujeito passivo do crime de corrupção de menores deve ser menor de 14 anos, sendo certo que a conduta narrada na denúncia não se encontra prevista em nenhuma outra norma incriminadora. Desse modo, ela determinou a cassação da sentença condenatória e reconheceu a extinção da punibilidade."

Comentários: A Lei 12.015/09 estabeleceu como princípio a liberdade sexual plena para as pessoas com idade igual ou superior a quatorze anos. Somente haverá crime quando a vítima for sexualmente explorada (art. 218-B, CP); em caso de violência, grave ameaça ou fraude (arts. 213 ou 215, CP); ou quando, por outra hipótese que não a idade, a vítima puder ser definida como vulnerável (art. 217-A, CP). Resolveu-se, assim, um anacronismo, pois a lei estava em descompasso com a realidade social, ainda que casos extravagantes (como o citado na notícia) possam induzir raciocínio diverso. Todavia, a excepcionalidade não justifica a normatização da conduta. De outro lado, foi preenchida lamentável lacuna da redação original. Não havia, outrora, corrupção de menores quando a vítima era menor de quatorze anos (mas tão-somente com idade entre 14 e 18 anos), sob o argumento de que tal situação invariavelmente caracterizaria presunção de violência e, por conseguinte, estupro ou atentado violento ao pudor. Entretanto, isso não se aplicava quando o ato sexual não recaía sobre o corpo da vítima (em um caso concreto, deparei-me com um tio que se masturbava em frente à sobrinha de dez anos, sem constrangê-la à observação, pois assim alcançava prazer sexual - o que, pela redação antiga do Código, constutuía fato atípico). Hoje, caso a conduta não se enquadre no disposto no art. 217-A, em sendo a vítima menor de quatorze anos, certamente caracterizar-se-á o crime do art. 218-A, CP.


PORTE DE ARMA DE FOGO


A cabine do caminhão não pode ser considerada nem como uma extensão do local de trabalho e nem como extensão de residência para fins de descaracterizar o porte ilegal de arma de fogo. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve esse entendimento em habeas corpus impetrado a favor de caminhoneiro preso próximo ao município de Volta Grande, Minas Gerais.

Em fevereiro de 2007, o caminhoneiro foi flagrado pela Polícia Militar com uma garrucha calibre 32 na cintura, sem autorização ou registro. Ele foi acusado de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento). Na primeira instância, o réu foi absolvido. O Ministério Público recorreu e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) o condenou a dois anos de reclusão e multa.

O tribunal mineiro considerou não ser possível desclassificar o crime de porte ilegal para simples posse ilegal de arma de fogo, delito definido no artigo 12 do Estatuto. Para isso, a arma não registrada deveria estar guardada na residência ou local de trabalho do réu. O TJMG opinou que a legislação visa diminuir a circulação de armas, e que considerar veículos como extensão de domicílios tornaria o Estatuto sem serventia.

Extinção de punibilidade

No recurso ao STJ, insistiu-se na classificação como simples posse de arma. A defesa alegou que a cabine do caminhão poderia ser considerada como residência enquanto o réu lá estivesse. Lembrou que era ali que ele exercia sua atividade laborativa e, durante as longas viagens, a cabine servia como moradia e local de repouso noturno. Pediu a desclassificação do porte ilegal e, consequentemente, que fosse declarada a extinção de punibilidade pela abolitio criminis (abolição da pena de conduta anteriormente proibida por lei) temporária trazida pelo Estatuto do Desarmamento de 23 de dezembro de 2003 a 31 de dezembro de 2008.

Não se deve confundir o delito de posse irregular de arma com o de porte, reconheceu o relator do processo, o desembargador convocado Adilson Vieira Macabu. 'Por outro lado, também não se pode considerar o veículo do agente, muito embora utilizado como instrumento de trabalho, como sendo extensão de sua residência ou mesmo de seu local de trabalho, a ponto de interpretar sua ação como sendo simples posse de arma', observou.

Para o magistrado, o caminhão não é extensão da residência ou mesmo do local de trabalho, 'mas apenas instrumento de trabalho que, na hipótese, estava fora desses locais anteriormente citados'. O relator também ponderou que a arma não foi apreendida dentro do caminhão, mas na cintura do réu. 'Ora, à medida que a arma estava presa à cintura do paciente, fica evidente que ele a portava efetivamente e que ela estava ao seu alcance, possibilitando sua utilização imediata', concluiu. Ele foi acompanhado de forma unânime pela Quinta Turma."

Comentário brevíssimo: a lamentar, apenas a chamada abolitio criminis temporária para os casos de posse de arma de fogo, que conduz à inegável impunidade de criminosos. Já é hora de o governo cessar sua política centrada na entrega voluntária de armas, de duvidosa eficácia, e privilegiar o efetivo controle do tráfico internacional de armas.


LEI DE LICITAÇÕES


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação contra ex-prefeita paulista que dispensou licitação para realizar concurso público. A Turma alinhou-se à jurisprudência da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal (STF), entendendo que, se não houve lesão ao erário nem dolo específico de fraudar a concorrência, não há crime.

A então prefeita de Fernandópolis (SP) havia iniciado processo licitatório do tipo convite para realização do concurso em questão. Porém, ela abandonou o procedimento quando recebeu proposta da Fundação Ararense para o Desenvolvimento do Ensino (Fade) para elaborar e aplicar a prova.

Pelo contrato firmado entre a prefeitura e a fundação, ficou acordado que o ressarcimento de despesas com material e serviços prestados pela entidade seria feito diretamente pelos candidatos por meio de cobrança de taxa de inscrição, de modo que a prefeitura não teve gastos com o concurso.

Diante da dispensa de licitação, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) apresentou denúncia contra a prefeita e contra o representante da fundação que realizou o serviço. O órgão alegava que a contratação foi feita fora das possibilidades previstas na Lei 8.666/93, que regulamenta as licitações. O MP também sustentava que a contratação direta da fundação trouxe benefício econômico indevido para seu representante.

Intenção

No STJ, a defesa requereu o trancamento da ação penal ajuizada contra os dois. O pedido já havia sido negado pela corte local. Ela alegava falta de justa causa para a ação e atipicidade da conduta. A defesa argumentou que a dispensa da licitação estaria justificada, pois a abertura de procedimento formal resultaria em gasto público desnecessário, além de perda de tempo na contratação de novos servidores.

Ainda segundo a defesa, não ficou demonstrada na inicial acusatória a vontade dos agentes de dispensar a licitação fora das hipóteses legais. Ela também argumentou que não houve crime contra o erário, já que a prefeitura não teve gastos com a realização do concurso. Por fim, a defesa lembrou que havia um parecer jurídico do município favorável à dispensa da licitação.

O ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que 'não se depreende da denúncia, nem dos documentos que acompanham a inicial, terem os pacientes consciência e vontade de realizar o contrato de prestação de serviços em discussão, com o escuso objetivo de desviar, favorecer e obter vantagem indevida, em detrimento do erário público e em favor do particular'.

O relator citou em seu voto que a prefeita publicou no Diário Oficial a dispensa da licitação e o extrato do contrato firmado com a empresa.

Entendimentos contrários

Ao analisar o caso, o ministro disse estar ciente da existência de precedentes da Quinta e da Sexta Turmas no sentido de que, para caracterização de crime previsto no artigo 89 da Lei de Licitações, não se exige o dolo específico ou a comprovação de prejuízo aos cofres públicos. Porém, o relator afirmou que esse entendimento não é o que prevalece atualmente na Corte Especial ou no Supremo Tribunal Federal (STF).

O ministro Sebastião Reis Júnior trouxe em seu voto o julgamento da Ação Penal 480, encerrado no último dia 29 de março. Nesse caso, relatado pelo ministro Cesar Asfor Rocha, a Corte decidiu que é preciso haver intenção de lesar os cofres públicos, além de efetivo dano ao erário, para que o crime seja caracterizado.

A Sexta Turma concedeu o habeas corpus e trancou a ação penal por maioria."

Comentários: em que pese a posição dos Tribunais Superiores, não me parece possível sustentar a atipicidade da conduta. Ainda que nenhum prejuízo tenha sido suportado pela administração pública, esta é regida pelos princípios da moralidade e da impessoalidade, dentre outros. Assim, conceder um tratamento privilegiado a quem quer que seja, com possível locupletamento acima dos valores de mercado, deve ser considerado crime. Além do desprestígio causado ao poder público, há ainda a possibilidade de prejuízo para os administrados, muitas vezes lesados pela cobrança de taxas acima do que poderia ser considerado razoável. Para mais detalhes, recomendo a leitura do texto de José Francisco Seabra Mendes Júnior sobre o tema.


LEI MARIA DA PENHA


Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Lei Maria da Penha deve ser aplicada no caso de ameaça (prevista no artigo 147 do Código Penal) feita contra mulher por irmão, ainda que não residam mais juntos, visto que para a configuração do crime de violência contra a mulher não há a exigência de coabitação à época do crime, mas somente a caracterização de relação íntima de afeto.

Em 2009, três homens, irmãos, foram denunciados pela suposta prática de ameaça de morte, em concurso de pessoas, contra a irmã, com quem moravam anteriormente. Na ocasião, ela precisou voltar à casa para buscar objetos pessoais e teria sido advertida por eles de que, se entrasse, seria morta.

O Ministério Público se manifestou para que fosse aplicada ao caso a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). O juízo da 4ª Vara Criminal de Santa Maria (RS) suscitou conflito de competência e encaminhou os autos ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por entender que o caso não se enquadra na referida lei.

É aplicável

Entretanto, ao julgar o conflito, o tribunal estadual discordou do magistrado, entendendo que a lei de proteção à mulher deveria ser aplicada e considerando-o competente para decidir a respeito.

Diante de tal decisão, os irmãos impetraram habeas corpus no STJ. A defesa afirmou que o suposto fato ocorreu entre irmãos, que já não moravam mais juntos nem mantinham relação de dependência financeira, o que, segundo ela, não se enquadra nas hipóteses da Lei 11.340.

Para a defesa, com o afastamento da aplicação da Lei Maria da Penha, o caso deveria ser transferido da 4ª Vara Criminal para o Juizado Especial Criminal.

O relator do habeas corpus, ministro Og Fernandes, mencionou que um caso semelhante foi apreciado pelo STJ no julgamento do REsp 1.239.850. Na oportunidade, a Quinta Turma decidiu que a relação existente entre o sujeito ativo e o passivo deve ser analisada em face do caso concreto, para verificar se a Lei Maria da Penha deve ser aplicada, sendo desnecessário que se configure a coabitação entre eles.

Para Og Fernandes, o caso se amolda àqueles protegidos pela Lei 11.340, 'já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que os agressores, todos irmãos da vítima, conviveram com a ofendida, inexistindo a exigência de coabitação no tempo do crime para a configuração da violência doméstica contra a mulher'.

Por esses motivos, a Sexta Turma negou, por maioria, o habeas corpus, vencida a ministra Maria Thereza de Assis Moura."

Comentários: como a própria notícia assinala, a aplicação da Lei 11.340/06 "deve ser analisada em face do caso concreto". Isso permite que se reafirme a interpretação teleológica do diploma legal. Ou seja, a subsunção do caso à lei fica a depender a situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência da vítima, bem como dos demais requisitos normativos. Não são apenas a relação de parentesco, de convivência em ambiente doméstico ou de afetividade que justificarão a imposição da Lei Maria da Penha quando a vítima é mulher, devendo ser averiguada a necessidade da aplicação das medidas restritivas nela previstas. Todavia, não há óbice à incidência da lei caso inexista relação de coabitação ou de dependência econômica, pois inúmeras são as justificativas para a vulnerabilidade.


VALOR ECONÔMICO E CRIME DE FURTO


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou condenação de homem flagrado por policiais no interior de um veículo, tentando furtar um toca-fitas quebrado. Segundo o proprietário do carro, o equipamento apenas tapava o buraco no painel. A Turma absolveu o réu, condenado inicialmente a regime fechado de pena.

Para cometer o crime, o condenado fez uso de uma chave falsa. Ele não conseguiu nem mesmo retirar o equipamento do console do carro antes de ser interrompido. O aparelho foi identificado primeiramente como toca-CDs, com valor presumido de R$ 100.

No entanto, a perícia verificou que se tratava de toca-fitas sem funcionamento. Os ministros entenderam que o objeto do crime não tem valor comercial, não havendo tipicidade material de lesão ao patrimônio.

Regime fechado

Pelo delito, o homem havia sido condenado a dois anos e oito meses de reclusão em regime inicial fechado. Inconformada, a defesa apelou da sentença e a corte local diminuiu a pena para dez meses de reclusão.

Em habeas corpus impetrado no STJ, a defesa pedia a aplicação do princípio da insignificância, argumentando que o objeto sem valor comercial nem chegou a ser levado do carro.

O ministro Sebastião Reis Júnior, porém, julgou que não se trata de insignificância. A atipicidade material da conduta, afirmou, decorre da falta de valor comercial do toca-fitas.

'Se a coisa cuja subtração foi tentada não tem valor econômico, não há crime contra o patrimônio', concluiu. A Turma concedeu a ordem por maioria, para cassar a condenação do paciente e declarar sua absolvição."

Comentários: o texto permite entrever a opção jurisprudencial, nesse caso específico, pelo caráter exclusivamente econômico do crime de furto. Não comungo da mesma opinião. Entendo que o patrimônio, em direito penal, tem uma acepção que vai além da apreciação monetária, abrangendo de igual forma os valores sentimental e de uso. Sobre o tema já tive a oportunidade de escrever: "Assim, não escapam à maioria dos doutrinadores algumas ressalvas à concepção civilista do patrimônio, vez que o direito penal não estende a sua proteção ao aspecto passivo patrimonial, bem como contempla não apenas aquelas relações jurídicas de conteúdo economicamente apreciável, mas também os bens de valor meramente afetivo ou de uso, ainda que não possam ser reduzidos a um valor em dinheiro. Bens que, para o direito civil, não poderiam compor o patrimônio da pessoa, como fotos de família, por exemplo, podem ser objetos de crimes patrimoniais, como o furto.  Não é outra a lição do eminente jurista Weber Martins Batista: 'Ora, é evidente que esta concepção civilista de patrimônio diverge, em quantidade e qualidade, da concepção penalista. De um lado, porque compreende o aspecto negativo do patrimônio, que é estranho ao Direito Penal. De outro, porque não abrange os bens de valor meramente afetivo, que, data venia de uma parte da doutrina, podem ser objeto material de crimes contra o patrimônio'." (Direito Penal III, Editora IOB Thomsom).

Abraços a todos!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Seedorf mostra conhecimento sobre o futebol carioca



Ah, sim! Seedorf não foi a primeira estrela estrangeira contratada por um clube brasileiro. Muito antes, o Flamengo contratou o Piekarski...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Para reflexão: texto do Promotor de Justiça Alexandre Joppert sobre a descriminalização do uso de drogas


Concorde-se ou não com a opinião a seguir exposta, é fato que a excelência do texto merece uma leitura atenta. Em tempo: a publicação foi autorizada pelo autor. Vamos a ele:

"DESCRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS NO BRASIL: EPOPÉIA DA INGENUIDADE

No momento em que ganha corpo a campanha para a descriminalização do porte para consumo pessoal de drogas, tal como se essa medida fosse idônea à diminuir o endêmico problema que devasta a sociedade brasileira, sobretudo nas classes mais pobres e vulneráveis, resolvi escrever algumas palavras que visam contrariar as opiniões ingênuas e argumentos “politicamentes corretos” de alguns defensores da ideia.

E dentro desse enfoque, é necessário inicialmente adjetivar como falaciosa a afirmativa de que “lugar de consumidor de drogas não é na cadeia”, como se a lei atual brasileira impingisse ao usuário pena privativa de liberdade. 

Nada mais equivocado. 

Isso porque a lei 11.343 (Lei antidrogas), em seu art. 28, simplesmente não prevê pena de prisão para o caso, mas sim medidas alternativas que vão desde a simples advertência, passando por obrigação de freqüência de cursos e palestras, até a multa.

Todavia, ainda que tímidas e ineficazes, ao menos existem sanções cominadas àquele que porta ou possui drogas para uso pessoal, dando um recado para toda sociedade que esta conduta além de típica é antijurídica, ou seja, contrária ao ordenamento jurídico. 

Agora, simplesmente descriminalizar as condutas do usuário é o mesmo que, obviamente, incutir no consciente coletivo de que esta conduta passaria a ser permitida. As cracolândias, que se alastram pelo país, virariam território de ninguém. Andar livremente pelas ruas e parques fumando maconha seria tido como lícito. Cheirar cocaína na recepção de um cinema de um filme infantil nada renderia na ordem punitiva.

Alguém duvida que o consumo de drogas explodiria no Brasil? Alguém teria a inocência de acreditar que o país, que a passos lentos vem, somente agora, conseguindo refrear o consumo de álcool ao volante, experimentaria um substancial derramamento de sangue por veículos conduzidos por pessoas drogadas? E a violência que vem por trás das drogas? Hoje, um por cento da população brasileira é dependente do crack. No entanto, trinta e cinco por cento dos homicídios no Brasil estão ligados ao consumo desta arrasadora droga. Alguém tem dúvidas sobre o aumento colossal dos crimes violentos com a liberação do crack, do oxi e outras drogas pesadas? Qual o ingênuo que sinceramente crê que a legalização das drogas injetáveis não irá levar à estratosfera os índices de transmissão de HIV?

A ausência de respostas realmente plausíveis para essas indagações já seria suficiente para encerrar a celuma. Mas há muito mais a ser dito.

Veja-se o caso da maconha, droga "glamourizada" pelos defensores da descriminalização, e que, no entanto, possui efeitos bastante danosos. Ela pode bloquear receptores neurais muito importantes, causando ansiedade, perda de memória, alienação, depressão e surtos psicóticos. E além de seus inequívocos malefícios é, frequentemente, a porta de entrada para outras drogas. Sinceramente, ao menos com a vista desarmada não há como entender esse recorrente empenho de descriminalização. 

Em sua essência, a quem se pretende beneficiar com a tresloucada medida?

Caso adotássemos os princípios defendidos pelos lobistas da liberação, o Brasil estaria entrando, com o corriqueiro atraso, na desastrosa experiência européia, sobretudo em Portugal e Espanha, onde explodiram os índices de dependência química e do tráfico de drogas após a flexibilização de suas respectivas legislações penais. Além disso, a Holanda, que foi pioneira em autorizar a abertura de cafés onde era permitido consumir maconha e haxixe, já está consertando essa equivocada política. O mesmo ocorre na Suíça, que também está voltando atrás na liberação de espaços em que viciados se encontravam para injetar heroína fornecida pelo próprio governo, e que se transformaram em território livre de zumbis praticantes de crimes de toda ordem. Isso tudo sem falar na Suécia, que nas décadas de 60 e 70 foi o primeiro país no mundo a tratar de forma não penal a questão do usuário, e que hoje, dado ao evidente erro dessa política, é o país com o tratamento penal mais rigoroso ao usuário em toda a Europa.

Some-se a isso uma pergunta que não quer calar: Ao legalizar o consumo de drogas, de quem o usuário irá adquirir seu produto? 

Será que os grandes cartéis de narcotráfico forneceriam ao governo a maconha, o crack, a cocaína e todas as demais drogas que seriam repassadas aos usuários? 

Todos, menos os bucólicos entusiastas da “liberalidade”, sabem que não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que, muito cedo, transforma-se em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro da “inofensiva” maconha preconizada pelos araustos da descriminalização pode ser o passaporte para uma overdose de heroína. 

Não estou falando de teorias, mas da realidade cotidiana e dramática de muitos usuários, que destroem não só suas vidas, perdem seus empregos, arrasam a estrutura de suas famílias, e não raro se enveredam para o mundo dos crimes violentos. 

Enquanto os “filósofos e intelectuais” professam suas liberais preleções, as drogas seguem matando a juventude e enriquecendo ainda mais o narcotráfico. A dependência por uso de drogas não admite discursos infantis, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de usuários, ao lado de uma mínima intimidação por parte do Direito Penal, sob pena de aniquilamento das gerações futuras.

Esse é meu humilde ponto de vista sobre a questão."

Sobre a PEC n. 37/2011

Não, a intenção dessa postagem não é analisar o poder investigatório do Ministério Público, tampouco seu embasamento constitucional ou legal, ou a falta deste. Esse assunto vem sendo enfrentado pelo STF, portanto, aguardemos uma decisão da Corte.

A ideia é, em breves palavras, rebater a propaganda institucional levada à cabo pelo Ministério Público, que, ao invés de apenas defender um posicionamento jurídico, vale-se de inverdades e de simplificações indevidas de aspectos complexos, culminando no atingimento de outras instituições igualmente importantes no combate à criminalidade.

Tudo começa na denominação dada pelo MP à PEC, de evidente apelo midiático: "PEC da impunidade". Alega-se, em resumo, que a concessão da privatividade das investigações às polícias Civil e Federal acarretaria um sem-número de casos não trabalhados, mormente aqueles envolvendo interesses políticos ou crimes praticados por policiais. Essa denominação é tão falaciosa quanto denominar o projeto de "PEC anti-abuso". Trata-se de uma generalização indevida de casos de ineficiência que eventualmente ocorrem, e que poderiam ser sanados com investimento estrutural e em recursos humanos. Afirmar que tais crimes não serão apurados é o mesmo que falar que toda investigação realizada pelo MP vilipendia os direitos fundamentais dos investigados. Usar a exceção como regra é estratégia diversionista que em nada contribui para o debate jurídico. 

Ah, mas será que a PEC não geraria a impunidade de policiais criminosos? Ora, quando o imputado é um membro do Ministério Público, não é o próprio parquet que o investiga? Ademais, o MP não ficaria alijado da investigação. Ao contrário, como ocorre hoje, participaria ativamente desta, inclusive requisitando diligências, embora não a presidindo. E as pressões políticas? Creio que já é hora de a sociedade defender a independência administrativa, financeira e funcional das polícias Civil e Federal, algo que deveria ser discutido antes mesmo de qualquer outra providência nessa seara, bem como a inamovibilidade das Autoridades Policiais, para que se livrem das ilegais "punições geográficas" (remoção imotivada da Autoridade para pontos remotos do Estado ou do país), que se assemelha a uma pena de desterro.

Frise-se, outrossim, que, embora a propaganda institucional do MP aduza que outros órgãos ficariam impedidos de investigar (COAF, IBAMA, BACEN etc.), estes hoje não têm tal prerrogativa. Ocorre que, na execução de seu mister, esses órgãos corriqueiramente se deparam com ilícitos criminais. Estando tudo documentado, a investigação criminal é dispensável, podendo desde logo o MP oferecer denúncia contra os responsáveis. Isso não significa que os técnicos do BACEN, por exemplo, tenham a atribuição de investigar crimes. Se eventualmente elucidam um caso, é por peculiaridades da função pública, ou, explicando em linguagem profana, "no esbarrão".

Por conseguinte, impõe-se a sustação do logro contra a opinião pública. Espero, sinceramente, que qualquer que seja a redação final da PEC, seja esta objeto de uma discussão franca, com esteio dogmático, livre de subterfúgios que só alimentam o indesejado conflito entre instituições.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Atualização legislativa: Lei 12.654/12 (altera a LEP)


LEI Nº 12.654, DE 28 DE MAIO DE 2012.

 
Altera as Leis nos 12.037, de 1o de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências.

A  PRESIDENTA   DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o  O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 5o  .......................................................................

Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR)

Art. 2o  A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

“Art. 5o-A.  Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.

§ 1o  As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.

§ 2o  Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.

§ 3o  As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.”

“Art. 7o-A.  A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”

“Art. 7o-B.  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.”

Art. 3o  A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9o-A:

“Art. 9o-A.  Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.

§ 1o  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.

§ 2o  A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.”

Art. 4o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação.

Brasília,  28  de  maio  de  2012; 191o da Independência e 124o da República.