quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Crimes contra a segurança dos meios de transporte
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Alô Alô Terezinha
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Ficção?
Análise certeira de um membro do MP no DF (à qual acrescentei alguns tópicos) – Se o processo contra Madoff fosse no Brasil…
- A prisão preventiva não seria mantida porque ele tem endereço certo, exerce atividade lícita, não houve violência, ele não oferece perigo, é primário ou não tem condenações transitadas em julgado etc.;
- Se fosse preso (sem algemas, claro), logo viria um habeas corpus;
- Ele jamais admitiria ter infringido a lei, porque aqui todos são santos e juram de pés juntos que a denúncia é perseguição política ou do Ministério Público;
- Mesmo se confessasse todos os crimes, ficaria em liberdade até decisão final do STF transitada em julgado;
- Tendo ele 71 anos, o prazo de prescrição seria contado pela metade;
- Os advogados e alguns políticos estariam nos jornais bradando contra a injustiça, a parcialidade do juiz e contra o “estado policial”;
- O presidente do STF analisaria o caso em entrevistas à imprensa;
- Artigos e reportagens seriam prontamente veiculados, demonstrando, além de dezenas de “falhas processuais”, que o aumento das penas nada resolve, que a Justiça não deve seguir o clamor das ruas, que o direito penal mínimo ou inexistente é o único caminho para a ressocialização (fim único da pena) e para escapar da barbárie;
- Proliferariam, em poucos dias, projetos de lei ou resoluções dificultando o deferimento de escutas telefônicas e quebras de sigilo bancário, ou amordaçando e responsabilizando pessoalmente os membros do Ministério Público;
- O réu entraria com ações de indenização contra o Estado e contra os “justiceiros” que tiveram o desplante de processá-lo;
- O juiz, o procurador ou promotor e o delegado estariam sendo processados nas esferas civil, criminal e disciplinar"
Boa noite!
"Para PGR, não é crime a ABIN ter colaborado em investigação"
"A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal confirmou o arquivamento do inquérito policial que apura suposto crime na cessão de servidores e na colaboração de agentes da Agência Brasileira de Inteligência durante as investigações da Polícia Federal na operação batizada como Satiagraha. Essa operação investigou crimes financeiros supostamente cometidos pelo Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.
A câmara tem atribuições na área penal e controle externo da atividade policial, e recebeu delegação do PGR para decidir sobre arquivamento de inquéritos. Coordenada pelo subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, é o órgão colegiado setorial de coordenação, de integração e de revisão do exercício profissional no Ministério Público Federal em matéria criminal e no controle externo da atividade policial. A Câmara é composta por seis integrantes, três titulares e três suplentes, dos quais quatro são subprocuradores-gerais da República e dois são procuradores regionais da República.
Os autos do inquérito, que tramita na 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, foram encaminhados para manifestação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, após decisão do juiz federal Ali Mazloum, que rejeitou o arquivamento, ao considerar 'anômala a cooperação entre Abin e Polícia Federal'.
O voto foi escrito pelo subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves, na função de relator-coordenador da 2ª Câmara. Participaram também da decisão as subprocuradoras-gerais da República Julieta Albuquerque e Ana Maria Guerrero Guimarães.
Para Gonçalves, não houve crime na cessão de agentes da Abin para participar da Operação Satiagraha, a pedido do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, com a autorização do diretor-geral da Agência, Paulo Lacerda. Os agentes cedidos atuaram como coadjuvantes, auxiliares e sob as ordens de um delegado da Polícia Federal. O juiz também pediu análise de eventual ingresso de ação penal em face deles e de todos os indiciados por usurpação de função pública (art. 328 do Código Penal) e art. 10, segunda parte, da Lei 9.296/96 (violação de sigilo).
A princípio, Wagner Gonçalves explica que, no sistema acusatório, é vedada a participação do magistrado na fase pré-processual, ressalvadas as hipóteses de medidas cautelares. E, segundo ele, quando da análise do pedido de arquivamento, deve o juiz, quando discordar, fundamentar suas razões com extrema cautela, sob pena de inversão de papéis e falta de imparcialidade. 'Vê-se, portanto, que, na fase pré-processual, o juiz só comparece quando há pedido da Polícia Judiciária ou do Ministério Público para medidas constritivas ou cautelares, em defesa dos direitos fundamentais dos investigados', afirma.
Para o subprocurador-geral, em 19 laudas, houve excesso de linguagem do juiz ao rejeitar o arquivamento do inquérito. Primeiro porque, segundo ele, o Ministério Público, como titular da ação penal, pode apresentar ou não a denúncia e, no caso, o MPF denunciou Protógenes e outro por violação de sigilo funcional e fraude processual e não o denunciou e ao então diretor da Abin, Paulo Lacerda, por usurpação de função pública e violação de sigilo. 'O juiz não pode obrigar o Ministério Público a fazer uma acusação, nem pode se sentir ofendido caso ele não a faça', diz.
Além disso, acrescenta que, ao discordar do pedido de arquivamento, o juiz se aprofunda nas provas, sobre as quais não houve contraditório. De acordo com Wagner Gonçalves, 'uma incursão acentuada nas provas na fase pré-processual, por parte do juiz, além de representar violação das atribuições do Ministério Público, pode configurar uma futura condenação, em havendo denúncia, com violação dos direitos fundamentais dos acusados'.
Ele explica, ainda, que o direito de investigar mediante o inquérito policial é exclusivo da polícia judiciária, mas investigações de crimes são feitas pelos mais diversos órgãos públicos e não há reserva de mercado investigatório para a Polícia Federal. 'Se todos são responsáveis pela segurança pública, não se pode afastar, a priori, a colaboração de outros órgãos, muito menos da Abin', sustenta.
Diz também que os agentes da Abin não praticaram atos de gestão ou decisão, mas colaboraram nas investigações, efetuando atividades de pesquisa, vigilância, seleção e degravação de ligações interceptadas, etc. Segundo ele, todas as medidas cautelares, busca e apreensão, interceptações telefônicas etc deferidas judicialmente, não foram solicitadas pela Abin, mas pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público, e seu cumprimento foi executado pela Polícia Federal, entrando os agentes cedidos como meros 'coadjuvantes' em questões pontuais e determinadas, muitos deles desconhecendo o objetivo maior da operação.
O procurador conclui dizendo que houve cessões de servidores para o delegado Protógenes, deferidas verbalmente, podendo-se falar em irregularidade administrativa e, por isso, em improbidade, quando muito, mas não em crime. 'Afora isso, após os fatos aqui questionados, há norma posterior, que permitiu a regularização de servidores cedidos pela Abin, que estariam irregulares.'
A norma posterior a que se refere Gonçalves é a Medida Provisória 434, de 5 de junho de 2009, editada durante a cooperação da Abin na Operação Satiagraha, e convertida na Lei 11.776, de 2008. A norma tornou possível regularizar as cessões de servidores feitas pela Agência, para outros órgãos, inclusive para a Polícia Federal, ante a redação que foi dada ao parágrafo único do art. 44, que dispõe: 'as cessões em desconformidade com o disposto no caput deste artigo serão regularizadas até 6 de outubro de 2008'. Para Wagner Gonçalves, tal norma age como manifesta exclusão de ilicitude material do fato, mesmo que se entendesse, só para argumentar, haver crime em virtude da colaboração da Abin.
Além disso, cita que há todo um conjunto de normas que não vedam, mas, ao contrário, permitem uma cooperação dos diversos órgãos que compõem o Subsistema de Segurança Pública, a partir do Sistema Brasileiro de Inteligência, para compartilhar informações, apuradas dentro da área de competência de cada qual, mas com o objetivo precípuo de garantir a segurança pública, mediante ações que coíbam e reprimam a criminalidade.
Wagner Gonçalves menciona que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em Habeas Corpus, reconheceu que, em face da Lei 9.883/99, não há irregularidade no compartilhamento de informações e dados sigilosos entre os órgãos encarregados da persecução penal e outros órgãos integrantes do Estado. E que tal colaboração nunca 'causou perplexidade ou surpresa'.
Assim como fez Mazloum, Gonçalves enviou cópias da decisão da 2ª Câmara às corregedorias do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Em maio, quando o Ministério Público Federal em São Paulo apresentou à 7ª Vara Federal de São Paulo suas conclusões sobre o inquérito da Polícia Federal que investigou a conduta do delegado Protógenes Queiroz à frente da Satiagraha, os procuradores da República Fábio Elizeu Gaspar, Roberto Antonio Dassié Diana, Ana Carolina Previtalli e Cristiane Bacha Canzian Casagrande já haviam concluído que não há crime na participação da Abin na Satiagraha.
Para os procuradores, a participação de agentes da Abin na Satiagraha e o compartilhamento de informações da operação entre a equipe de Protógenes com esses funcionários públicos não configura crime, pois é prevista na lei do Sistema Brasileiro de Inteligência, o Sisbin.
No mesmo processo em que houve o arquivamento, Queiroz foi denunciado por dois vazamentos de informações para a Rede Globo e fraude processual. A denúncia foi recebida e o processo tramita na 7ª Vara Federal de São Paulo. Para o MPF, o fato de Queiroz ter recorrido à Abin sem informar seus superiores hierárquicos na Polícia Federal também não é crime, mas apenas uma questão administrativa da PF.
Quando da eclosão da Operação Satiagraha, a imprensa tratou de desqualificar o trabalho investigativo em virtude da participação de agentes da ABIN. Demonstrando ares de sapiência inquestionável, os "jornalistas" logo afirmaram que a colaboração era ilegal, atacando de forma nunca antes vista a honra dos Delegados Protógenes Queiróz e Paulo Lacerda, ambos de competência e dedicação ímpares, mas que se interpuseram no caminho de interesses econômicos poderosos. Agora revela-se a legalidade do procedimento. Aliás, não é só a ABIN que coopera com investigações policiais. Também o fazem o COAF, o Banco Central, o IBAMA e outros tantos órgãos. Mas a grande mídia (representada principalmente por revistas de circulação semanal) fechou os olhos para uma realidade legítima, preferindo o ataque sensacionalista descabido. Nem se fale, como argumento contrário, da oposição manifestada pelo Juiz Federal Ali Mazloum, já combatida de forma pertinente pelos Procuradores da República citados na reportagem. De qualquer forma, é interessante ressaltar que, até o momento, nenhum veículo noticioso deu o devido destaque à informação. E o povo continua ouvindo telejornais como se assistisse a prolações de um oráculo. É o preço que se paga pela ignorância. Abraços a todos.
domingo, 8 de novembro de 2009
Série Grandes Juristas: Dalmo de Abreu Dallari
sábado, 7 de novembro de 2009
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
STJ decide pela extinção da punibilidade em crime de apropriação indébita
Desde a edição da súmula 554 do STF, nega-se tratamento paritário aos praticantes de crimes patrimoniais não-violentos. Isso porque é permitido ao emitente de cheque sem suficiente provisão de fundos o pagamento do valor do título até o momento da denúncia, abolindo-se qualquer punição pelo ato. No entanto, a jurisprudência não conferia o mesmo benefício aos autores de delitos diversos, inclusive a alguns de menor reprovabilidade em abstrato, como o furto (no máximo ocorria arrependimento posterior, mera causa de diminuição da pena). Confesso que não entendia a razão da discrepância, mas a decisão em comento parece colocar as coisas nos eixos. Espero apenas que não seja uma decisão casuística, mas que se torne um norte a ser seguido dentro do STJ.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Massagem capilar
"Um cabeleireiro de Santa Maria (RS) é acusado por uma mulher de ter ejaculado em seus cabelos enquanto os enxaguava em um pequeno salão de beleza no centro da cidade. Ele irá responder por ato obsceno. 'Ela viu o cabeleireiro com o zíper aberto e o pênis para fora e perguntou o que estava acontecendo', contou a delegada Débora Dias, titular da Delegacia de Polícia para Mulher de Santa Maria. De acordo com o relato da cliente, logo em seguida, o cabeleireiro pediu desculpas e disse que tinha se excedido. Ela então pediu que ele enxaguasse novamente a sua cabeça, pois ela iria embora do salão. Segundo Débora, mesmo que o homem não tenha necesariamente ejaculado na cliente, mas tenha aberto o zíper e colocado o pênis para fora, já é crime. A delegada informou que marcará uma audiência com o cabeleireiro. Depois o inquérito será remetido para o Juizado Especial Criminal."
Vou me servir dessa notícia apenas para discutir o que se entende por ato libidinoso no crime de estupro (artigo 213 do CP). No caso em comento, o autor se masturbou enquanto atendia uma cliente, supostamente ejaculando em sua cabeça. Ou seja, não praticou nenhum ato libidinoso COM a cliente, mas sim no próprio corpo, alcançando a satisfação de sua concupiscência. Tal conduta não se amolda à disciplina do artigo 213, mas sim ao artigo 233 do CP. Ato libidinoso, no estupro, é aquele que conta com a participação da vítima, haja ou não contato corporal. Necessariamente, o ato deve recair sobre o corpo da vítima. Por exemplo, na conjunção carnal, há o contato entre sujeito ativo e passivo, permitindo-se a caracterização do estupro; todavia, ainda que o agente obrigue a vítima apenas a se despir, contemplando-a lascivamente (ou seja, satisfazendo-se pela observação do corpo nu da vítima), persiste a tipificação do estupro, uma vez que o corpo da vítima é objeto do crime.
Entretanto, há que se observar que o estupro é um crime hediondo, com pena mínima de seis anos de reclusão. Assim, para se preservar a proporcionalidade da norma (proibição do excesso), dever restar alijados do tipo penal aqueles atos de pouca ofensividade. Se a mulher, durante uma micareta, é puxada pelo braço e forçada a beijar o autor, inegavelmente ocorre um ato de conteúdo libidinoso, sendo a vítima constrangida à sua prática mediante violência. Entretanto, entendo desarrazoado punir o autor por estupro. A condenação por constrangimento ilegal seria suficiente para punir a conduta (não havendo violência ou grave ameaça - ou outra forma de redução da capacidade de resistência - a conduta poderia ser enquadrada na contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, desde que pública).
Por conseguinte, mister a análise sempre criteriosa do artigo 213 do CP, de forma a não permitir exageros punitivos.
Minha eguinha pocotó: maus-tratos contra animais (Lei nº 9.605)
"O norte-americano Rodell Vereen, de 50 anos, foi condenado nesta quarta-feira (4), na Carolina do Sul (EUA), a três anos de cadeia por ter mantido relações sexuais com uma égua, segundo reportagem do jornal americano 'The Sun News'. Vereen havia sido detido em julho após invadir a fazenda de Barbara Kenley em Columbia, na Carolina do Sul, e fazer sexo com a égua "Sugar". Ela flagrou o acusado fazendo sexo com o animal depois de colocar uma câmera escondida no estábulo. O juiz Larry Hyman condenou o réu a três anos de cadeia, porque ele violou sua condicional relativa a outro incidente semelhante em 2008. De acordo com a sentença, quando sair da prisão, Vereen terá que cumprir mais dois anos de condicional. Durante a audiência, o réu afirmou que está arrependido de seu comportamento. "Eu peço desculpas pelo o que eu fiz", disse Vereen, que, também foi proibido pela Justiça de se aproximar do estábulo de Barbara Kenley quando sair da prisão."
Caso clássico de zoofilia, atípico em nosso ordenamento jurídico. Não há que se falar em maus-tratos contra animais, pois certamente a égua nada sofreu (a menos que o autor seja disforme, algo como o homem-anaconda). A situação seria diferente se o autor tivesse dado bebida alcoólica ao animal, embriagando-o (não, não estou falando em levar a égua para jantar, clique no link e saiba mais sobre a notícia).
O crime de maus-tratos é tipificado na Lei de Crimes Ambientais (por favor, não falem em meio-ambiente, é redundância*), mais especificamente no artigo 32. Evidente que o animal não é sujeito passivo da conduta em apreço (é apenas seu objeto material), uma vez que não é sujeito de direitos. Trata-se de crime vago, que tem a coletividade no polo passivo.
Creio que a infração penal (que tacitamente revogou a contravenção insculpida no artigo 64 da LCP) pode aparecer em concurso de delitos com o crime de dano (artigo 163 do CP), uma vez que há animais com valor economicamente apreciável. Explico: é possível que haja maus-tratos sem dano, assim como é possível o dano sem os maus-tratos (como quando o animal é morto sem sofrimento), devendo ser ressaltado que as objetividades jurídicas dos crimes são distintas; assim, não há que se falar em incidência do princípio da consunção, mas em concurso formal de delitos.
Observe-se, por fim, que o artigo 32 não incrimina apenas os maus-tratos, mas também toda sorte de abusos (verbo que, para mim, se confunde com os maus-tratos), ferimentos e mutilações praticados contra animais, bem como a submissão destes a experiências dolorosas ou cruéis (a lei fala em realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, como se fosse possível praticá-la em animal morto).
(*) redundância por redundância, prefiro a do artigo 30 da Lei Ambiental: "exportar para o exterior". Um espetáculo!
Teoria da Cegueira Deliberada e o inexistente desvirtuamento do tipo subjetivo
A Teoria da Cegueira Deliberada não é de aplicação exlusiva aos países da Common Law. Mesmo no Brasil ela já foi adotada (TRE-RO, Ap. Crim. nº 89, julg. em 09/05/2008). Tentou-se aplicá-la ao caso do furto ocorrido no Banco Central de Fortaleza, quando o proprietário de uma concessionária de automóveis vendeu onze carros aos autores do crime, pelo valor de um milhão de reais, sem ao menos questionar a origem do dinheiro. Todavia, o empresário foi absolvido em segunda instância.
Embora seja de larga difusão no combate à lavagem de dinheiro, em verdade a teoria pode ser imposta a qualquer delito, como, por exemplo, no caso da mãe que, suspeitando de abuso sexual praticado pelo padrasto contra sua filha, prefere manter-se à margem de qualquer levantamento mais aprofundado, permitindo a perpetuação da violência. Nesse caso, pode, assim como o executor, ser responsabilizada por estupro de vulnerável. Preconiza-se, na doutrina, a existência de ao menos dolo indireto (eventual).
Impõe-se, entretanto, um questionamento: a cegueira deliberada revela o dolo do agente ou, em verdade, caracteriza simples negligência, mais condizente com os crimes culposos? Ainda que defendendo a análise caso a caso, não percebo qualquer incompatibilidade da teoria com a conduta dolosa. A manutenção consciente da ignorância perante razoáveis evidências de ilicitude amolda-se à assunção do risco. É o famoso "não me fale nada, eu não quero saber de nada", usado como um escudo para possíveis implicações penais, embora saiba-se desde logo que o benefício da ignorância repousa em uma violação da lei penal. Tal constatação, aliás, não é estranha ao nosso Código. A receptação praticada mediante dolo eventual (artigo 180, § 1º) nada mais é do que uma positivação da teoria.
Assim, sou pela consagração da tese, que serviria em última análise para a punição daqueles que, agindo por interposta pessoa, fingem não saber da postura de seus prepostos quando o delito é desvendado.
Recomendação literária: "Caim", de José Saramago
O texto acima é um trecho do diálogo travado entre deus e caim (assim mesmo, com letra minúscula), retirado do novo livro de Saramago. É evidente que a estrutura textual foi um pouco modificada por mim, ou restaria incompreensível (no original, as frases vão surgindo em sequência, sem qualquer pontuação, característica marcante das obras do autor). Trata-se de um livro repleto de ironias, que tem o grande mérito de invadir dogmas religiosos sem o temor de julgamentos morais por fundamentalistas. Leitura não recomendada para aqueles que acham que religiões são intocáveis e que a fé não se discute.