A Enron, empresa sediada nos Estados Unidos, era uma das líderes mundias no setor de distribuição de energia e telecomunicações. Em 2001, uma investigação revelou que a companhia fraudava seus balanços financeiros, ocultando vultosas dívidas, o que ocasionou o declínio das ações da empresa e a decretação de sua consequente falência, em dezembro de 2001. No evento, foram lesionados acionistas e credores da Enron, que figurou como protagonista de um dos maiores escândalos corporativos já registrados. Andrew Fastow, antigo CFO da empresa, foi condenado em 2004 a uma pena de 10 anos de prisão e multa de US$ 23,8 milhões, depois de aceitar um acordo em que se declararia culpado e testemunharia contra outros executivos da Enron. Isso propiciou que Jeff Skilling e Ken Lay, outrora ocupantes do cargo de CEO da companhia, fossem judicialmente processados. Na época, o juiz do caso afirmou vislumbrar a possível aplicação das Ostrich Instructions, ou "Teoria das Instruções da Avestruz", também denominada "Teoria da Cegueira Deliberada". Por essa teoria, podem ser responsabilizados criminalmente por crime doloso aqueles que tinham condições de conhecer as particularidades de uma conduta criminosa, mas deliberadamente preferiram manter a ignorância, não evitando os possíveis resultados lesivos da conduta ou beneficiando-se dela de alguma forma. Isto é, tão criminoso quanto o autor da primeira conduta é aquele que enfia a cabeça em um buraco para manter a "inocência", tal qual uma avestruz. No caso em apreço, ao menos um dos executivos foi alertado por Sherron Watkins sobre as irregularidades contábeis, mas nenhuma providência apuratória concreta foi adotada. Ao final do processo, Skilling e Lay foram condenados por crimes diversos.
A Teoria da Cegueira Deliberada não é de aplicação exlusiva aos países da Common Law. Mesmo no Brasil ela já foi adotada (TRE-RO, Ap. Crim. nº 89, julg. em 09/05/2008). Tentou-se aplicá-la ao caso do furto ocorrido no Banco Central de Fortaleza, quando o proprietário de uma concessionária de automóveis vendeu onze carros aos autores do crime, pelo valor de um milhão de reais, sem ao menos questionar a origem do dinheiro. Todavia, o empresário foi absolvido em segunda instância.
Embora seja de larga difusão no combate à lavagem de dinheiro, em verdade a teoria pode ser imposta a qualquer delito, como, por exemplo, no caso da mãe que, suspeitando de abuso sexual praticado pelo padrasto contra sua filha, prefere manter-se à margem de qualquer levantamento mais aprofundado, permitindo a perpetuação da violência. Nesse caso, pode, assim como o executor, ser responsabilizada por estupro de vulnerável. Preconiza-se, na doutrina, a existência de ao menos dolo indireto (eventual).
Impõe-se, entretanto, um questionamento: a cegueira deliberada revela o dolo do agente ou, em verdade, caracteriza simples negligência, mais condizente com os crimes culposos? Ainda que defendendo a análise caso a caso, não percebo qualquer incompatibilidade da teoria com a conduta dolosa. A manutenção consciente da ignorância perante razoáveis evidências de ilicitude amolda-se à assunção do risco. É o famoso "não me fale nada, eu não quero saber de nada", usado como um escudo para possíveis implicações penais, embora saiba-se desde logo que o benefício da ignorância repousa em uma violação da lei penal. Tal constatação, aliás, não é estranha ao nosso Código. A receptação praticada mediante dolo eventual (artigo 180, § 1º) nada mais é do que uma positivação da teoria.
Assim, sou pela consagração da tese, que serviria em última análise para a punição daqueles que, agindo por interposta pessoa, fingem não saber da postura de seus prepostos quando o delito é desvendado.
professor, sou da estacio ilha, que te perguntei sobre o novo cpp. So pra me identificar. Queria te enviar esse texto, pois nao anotei seu e-mail e nao achei no blog.
ResponderExcluirhttp://www.4shared.com/document/LeqP2YqR/Greco_Lus_Filipe_Maksoud_-_Dol.html
abc.